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Vim, vi e aprendi

ESMA

“La vida de un hombre es um miserable borrador, um punãdito de tristezas que cabe en unas cuantas líneas . Pero a veces, así como hay años enteros de una larga y espessa oscuridad, um minuto de la vida de un hombre es uma luz deslumbrante”

Haroldo Conti (1925 – desaparecido desde 1976)

 

Breve Histórico:

24 de março de 1976. Data marcante na história recente da Argentina. Neste dia, a presidente do país, Isabelita Perón, foi derrubada pelas forças armadas que assumiram o poder. A partir daí seguiram-se anos tenebrosos.
Organizações de direitos humanos e a Anistia Internacional apontam que a ditadura assassinou 30 mil civis. Esse período de intensa repressão durou sete anos. Em 30 de abril de 1983 os argentinos foram às urnas para escolher o primeiro presidente civil eleito democraticamente depois da ditadura.

Para não esquecer jamais!

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A Escola de Mecânica da Armada (ESMA) detém o título de maior centro de detenção clandestina do país. Está localizada na Avenida Libertador, no bairro de Nuñez. Esse é um dos 600 locais em todos o país que se tornaram centro de detenção ilegal.

Para que essa história não seja esquecida a ESMA transformou-se em 2004 em um complexo de Museu, dentre eles o Museu da Memória, que mostra aos visitantes o que se passou no espaço durante a ditadura.


 

Em nosso penúltimo dia em Buenos Aires parte do grupo visitou a ESMA. Um mergulho tenebroso nesse período turbulento da história do país.

O dia estava nublado. O frio não era intenso, daqueles cortantes. Era suportável. No céu algumas nuvens um pouco carregadas indicavam que poderia chover.

“Como passamos por alguns lugares que podem ter barro, quando chove geralmente a visita é cancelada”, avisou a guia.

Olhamos novamente para o céu. As nuvens foram complacentes com nossa sede de aprender e detiveram suas gotas presas no céu. Deter, aliás, é uma palavra que casa bem com a ESMA. O local recebeu mais de 5 mil prisioneiros durante os anos de repressão. Quando se conhece a história do que se passou por entre aquelas paredes e corredores não é possível chegar lá e achar tudo normal. O clima era pesado. Parece que o ar do local indica que algo muito estranho aconteceu por ali. Algo que hoje é possível se explicar, mas que jamais as pessoas que sofreram a tortura na pele conseguirão entender.

Imagine que você está com dor de dente e vai até o consultório. Dali você não tem certeza se voltará vivo. Da enfermaria da ESMA os prisioneiros não sabiam se voltariam . Tinham medo de tudo. Não sabiam o que ia acontecer nas horas seguintes.

Mas os torturadores tinham uma regra: eles é quem decidiam quando você podia sentir a dor. Logo, eles iam tratar sua dor de dente. Outro tipo de dor te esperaria mais tarde.

 

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Imagine que você está em um lugar, não tem a menor noção da onde ele seja e está com os olhos vendados. Com muitos prisioneiros da ESMA era assim. Como o centro de tortura fica próximo ao Estádio Monumental de Nuñez (do River Plate) pelos gritos da torcida eles podiam ter noção se era ou não fim de semana. Próximo dali também funciona uma escola, assim quando o sinal tocava indicando a hora do recreio os prisioneiros tinham noção do período do dia. Esses ruídos eram as únicas opções que os colocava de volta à realidade.

Imagine que te obrigam a tomar um remédio que te deixa zonzo, sonolento. Nesse estado te jogam em um carro e te levam até uma base aérea. De lá te colocam dentro de um avião e te empurram (ainda com vida) no Rio da Prata. (Essa, aliás, era uma prática perfeita para a ditadura. Afinal, para eles existia uma outra regra: sem corpos não há provas, sem provas não há delitos). Imaginou? Não… Essa é impossível de imaginar.


 

Nas dependências do Museu, onde antes funcionava o Casino dos Oficiais (complexo de celas, quartos e câmaras de tortura) hoje há frases e depoimentos de pessoas que foram torturadas e uma espécie de “reconstrução” de como era o local na época.

La tortura no es solamente la máquina, no es un fusilamiento, un simulacro de fusilamiento, la tortura que se pasó en la ESMA tiene que ver com todo esto, con la deshumanización que existia” – Lidia Vieyra, ficou sequestrada de 11 de março de 1977 até 26 de julho de 1978.

Mais de 400 crianças nasceram em cativeiro durante a ditadura. Algumas delas na ESMA, que tinha uma sala minúscula (e acredito que sem o grau de assepsia correto) especialmente para as mulheres grávidas darem à luz. Era indicado que cada uma delas escrevesse uma carta para a família falando sobre o nascimento do bebê e a data correta. Os torturadores mandavam que elas escrevessem essas cartas para que os bebês pudessem ser entregues aos cuidados das avós. Apenas uma carta chegou ao seu destino final. Apenas um bebê foi acolhido pela sua família biológica. (Essa única carta que chegou ao seu destino pode ser lida na ESMA).

Nota: A organização Avós da Praça de Maio calcula que foram sequetsradas durante todo o regime um total de 500 crianças.

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Relatos

Durante nossa visita guiada, o grupo era composto por jovens e também por pessoas que passaram pelo período e deram depoimentos incríveis que deixaram ainda mais rica nossa experiência.

“Na época da ditadura a gente sempre tinha que sair com um documento de identidade. Afinal, nunca sabíamos quando seríamos parados pela polícia. E quando eles nos abordavam de imediato apresentávamos o documento. Até hoje tenho esse hábito: nunca saio de casa sem ter meu documento em mãos. E quando a polícia me para ainda hoje sinto calafrios”, comenta um senhor de meia idade, com um cachecol no pescoço e a voz meio rouca.

A ditadura deixa muitas marcas. Hábitos. Medos.

É difícil se livrar de tudo isso.

Termino o relato do post com uma das frases que mais me marcou na visita:

“Terror é não saber da onde vem o medo”


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