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A emoção das ruas

Nos dias de hoje, é quase impossível falar em política no nosso país sem falar em manifestação, protestos e confronto com a polícia, em uma escala que há muito tempo não se via. Parece que o slogan usado durante as manifestações de 2013, “o gigante acordou”, realmente estava certo, pois desde então os brasileiros vêm continuamente saindo às ruas em massa para protestar medidas governamentais e exigir seus direitos.

Se tornou algo tão comum que parecia quase surreal estarmos no centro político de Brasil há 5 dias e ainda não termos presenciado nenhuma manifestação, ainda mais considerando os confrontos violentos que haviam ocorrido na capital há duas semanas. Mesmo com tantas medidas polêmicas sendo discutidas no Congresso, será que o fogo dos brasilienses havia se apagado?

É claro que não, estavam apenas esperando a decisão da votação da PEC 55 – também conhecida como PEC do Teto, por estabelecer um limite para os gastos em investimento público para os próximos 20 anos – que seria realizada ontem à tarde. A primeira concentração estava marcada para às 14h, em frente à Catedral de Brasília. De lá, é um caminho reto até o Congresso.

Desde o dia anterior, só o que se falava no grupo era ir até a manifestação, experimentar como é a sensação de cobrir jornalisticamente um evento desses. Pedimos até dicas para o Murilo Salviano, repórter da GloboNews que falou com a gente ontem à noite, que nos disse que “em manifestações você deve ficar do lado, nem atrás dos manifestantes e nem atrás da polícia, porque dos dois lados há risco de você se machucar”. Conselho anotado.

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Na manhã do dia D, enquanto as coisas ainda estavam tranquilas, fomos até a redação da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília para conversar com Bernardo Mello Franco, que desde novembro de 2014 assina a coluna da página 2 sobre Brasília, comentando sobre os acontecimentos políticos do país, além de já ter sido correspondente em Londres.

O auditório da Folha é pequeno, tivemos que arrastar algumas cadeiras para caber todo o nosso grupo, mas valeu a pena o aperto. Bernardo já começou lembrando de uma matéria sobre o Mensalão que só foi publicada porque um fotógrafo percebeu que os ministros ficavam sempre digitando em seus computadores durante a reunião, e, ao tirar fotos, descobriu que eles estavam combinando votos e já emenda “é preciso procurar o que não é óbvio. Você não pode sair de um julgamento e só dar o resultado, se não só o que você está fazendo é uma divulgação. O que as instituições vendem pra você como notícia é a parte menos importante”.

Mas conseguir fazer isso, até Bernardo admite que é um desafio constante, e que na maior parte das vezes não conseguimos enxergar a verdadeira notícia. Mas é possível! Em uma época em que o empresário Eike Batista estava em alta como modelo do empreendedorismo brasileiro, Bernardo foi até o pantanal e mostrou como as usinas de extração de carvão do empresário usavam de extração ilegal. É a função do jornalista de sempre “apertar onde está doendo”, ir por trás da propaganda para achar essas histórias.

E nada de escolher favoritos! Como disse Bernardo “todo político está sujeito ao seu escrutínio e à sua visão crítica, se não for assim, você está fazendo um mal jornalismo”. A cobertura política deve ser desvinculada, desengajada e desapaixonada, além de cética por saber que todos os partidos funcionam da mesma forma e seguem o mesmo sistema, não há os bons e os maus.

Algo que ouvimos nessa conversa que ainda não havia sido abordado pelos outros foi o impacto das redes sociais. Não só elas facilitam a polarização, como também possibilitou que as fontes se tornassem eles próprios formadores de opinião, mesmo gente que em outros tempos não teria tanta visibilidade, como Bolsonaro. Os jornalistas também caem nessa de se acharem importantes, e Bernardo alerta para sempre mantermos em mente que não somos a notícia, nós não somos importantes por nós mesmos, mas sim pelo nosso trabalho.

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A sociedade vai sempre precisar de notícias, de pessoas que fiscalizem o poder, e nesse quesito nenhuma outra profissão substitui o jornalismo, porque somos nós que contamos a verdade para as pessoas e desmentimos as propagandas. Quando conseguimos revelar algo que estava escondido e ajudar as pessoas, o sentimento é instigante e muito gratificante, por isso devemos sempre perseverar em nossa decisão de sermos jornalistas.

E perseveramos, e aproveitamos muito as oportunidades. Pouco depois das 14h, uma parte do grupo já estava em frente à catedral, acompanhando o começo da mobilização para a manifestação, outros iriam um pouco mais tarde, e outros ainda se dirigiram ao Congresso, onde tinham uma entrevista marcada com o assessor de Mara Gabrilli, mas aproveitaram para ficar por lá, ver a movimentação de senadores e jornalistas enquanto a manifestação se desenrolava, e conversar com alguns deles sobre o que estava acontecendo na rua.

É dificil descrever a sensação de estar na rua para quem não estava lá. O ar carregado, o barulho dos gritos da multidão, o cheiro de incenso e cigarros, depois substituidos pelo cheiro de gás, as cores de movimentos, o tremular de bandeiras, pessoas com rostos mascarados, enrolados em camisas, não por quererem se esconder, mas para se proteger do gás que sabem que virá. Lá na frente, a linha da polícia observava tudo e revistava a mochila de todos os que tentavam passar em direção ao Congresso. Mas por um tempo, estava tudo tranquilo. Até que o grupo que estava na frente deu os braços, barricada contra barricada, e deu o primeiro passo. O som dos gritos aumentou, enquanto tudo começava a se mexer. Luiza Callado descreveu em seu blog o minuto a minuto de como foi estar nesse momento:

17h05 – Passei pelo cordão policial, estava sem mochila, então não me revistaram. Fiquei do lado de um policial, até que ele me olhou e disse: “não fica do meu lado senão você vai levar pedrada”, saí dali.

17h15 – C O M E Ç O U !

O povo foi se aproximando, cantando, unido. Chegaram até a barreira policial, os braços se entrelaçaram, formaram o cordão de segurança e não pararam, nenhum momento de cantar o grito de guerra. Eles tentavam passar, continuar andando pela rua – que, lembramos, é pública – para seguir até o Congresso Nacional, mas o bloqueio policial estava muito bem montado.

BUM! O barulho dos tiros de bala de borracha, da bomba de gás lacrimogêneo me assustaram, saí correndo, não fui tão longe assim. Parei de correr e voltei para mais perto, precisava registrar, queria provar o que estava vendo e sentindo através de fotos. Foi correria para todo lado, gritos, todos os presentes com celulares nas mãos para filmar.

Foto por Helena Leirner
Foto por Helena Leirner

Conselho do Murilo esquecido, o que tomou conta foi a frase que ouvimos de Alan Marques no primeiro dia, de que jornalista é um bicho doido que corre para o lado contrário ao que todos estão correndo para registrar o momento. Fabio Bispo que o diga, ficou literalmente logo atrás do cordão policial e conseguiu pegar o momento exato em que o conflito começou, antes de precisar sair correndo como todos os outros presentes, para se proteger. Registrar o acontecimento, sim, mas nunca colocando em risco a própria vida e segurança. Confia aqui o vídeo!

O grupo se dispersou, se protegeu da confusão da melhor forma possível. Os olhos lacrimejavam por causa do efeito do gás que empesteava o ar, apesar de não ter pego em ninguém do grupo diretamente. Ao redor, o caos se instalava e se movia, antes de recuar. A manifestação e a polícia se espalharam, não havia mais um ponto de concentração, e entre as brechas o grupo se encontrou novamente e voltou para o hotel, a adrenalina ainda disparada na veia. Luiza até brincou “Só eu que sou louca e adorei isso?”. Não era, todos sentiam a mesma certeza, o mesmo sangue acelerado e paixão pela profissão. Até a Helena Leirner, nossa infiltrada de relações internacionais, estava com os olhos brilhando.

Para quem esteve no Congresso, o dia não foi menos emocionante: acompanharam de perto a reação dos congressistas, conversaram com senadores e ministros, se integraram à multidão de jornalistas no salão verde, construiram a história pelo outro lado, com a reação daqueles afetados pelo que acontecia nas ruas. Mesmo que a manifestação não fosse visível do Congresso, era impossível ficar alheio à realidade.

Nos encontramos todos no hotel, vindos dos mais diversos lugares. Todos bem? Sim. Todos aqui? Sim. Aí que começou o trabalho: armada a redação em uma das salas de reunião do hotel, trocamos histórias, escrevemos textos, editamos vídeos, postamos fotos, todos trabalhando a pleno vapor, movidos à adrenalina (e à pizza que pedimos na porta do hotel, porque ninguém é de ferro), registramos e deixamos nossa marca nesse dia inesquecível.Todos com quem conversamos durante essa viagem nos disseram e é verdade: jornalista precisa estar na rua, falar com as pessoas e construir a história da realidade. E você pode conferir todo os registros e fotos na nossa página do Facebook!

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Não havia nada melhor para marcar os dias finais do programa. Quarta-feira é dia de correr atrás das pautas que ainda não estão prontas e finalizá-las para a entrega final de quinta-feira. A visita ao STF e espaço para assistir a uma sessão de julgamento na quinta de manhã não serão motivos para atrasos. Na sexta, já estaremos de volta ao aeroporto, com o programa chegando ao fim, mas todos com o amor pela profissão renovado e a sensação de um trabalho bem feito.

As matérias dos nossos participantes você vai poder conferir logo mais aqui no site. Por enquanto, esse diário fica por aqui, mas voltaremos a nos encontrar em breve, rumo à Madri.

Nos vemos em janeiro.

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