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Olhar hermano sobre a cultura brasileira
Argentinos gostam da musicalidade, mas ainda não estão inteirados no circuito cinematográfico
Confira a matéria produzida por nossa correspondente Beatriz Gonçalves durante o Programa Jornalismo sem Fronteiras em Buenos Aires
O conhecimento dos argentinos pela cultura brasileira se mostra ainda tímido e restrito a determinados grupos de alguma forma ligados às áreas de educação e comunicação ou que já viajaram para terras brasileiras – assim como o inverso também é verdadeiro. “Olhamos muito para o Brasil quando se trata de economia e política porque nos afetam de forma direta, mas culturalmente ainda é restrito a certos grupos da sociedade”, examina Diego Jemio (34), jornalista argentino que escreve para o jornal Clarín.
O tema “Brasil” pautou mostra de cinema na cidade de Buenos Aires. Duas das 26 bibliotecas municipais da capital argentina exibiram, de 7 de junho a 28 de julho, o circuito “La fantasia: una alternativa violenta” que conta com oito dos principais expoentes do Cinema Novo, entre eles Boca de ouro (1963, Nelson Pereira dos Santos), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964, Glauber Pedro de Andrade Rocha), Macunaíma (1969, Joaquim Pedro de Andrade) e Bye Bye Brasil (1980, Carlos Diegues). E, de acordo com o organizador do evento, Diego De Angelis (28), quem trouxe à tona a cultura brasileira foram pessoas que frequentavam outras mostras também realizadas pelas bibliotecas. “Contatamos a Embaixada Brasileira e, das opções que nos foram mostradas, escolhemos o Cinema Novo”, conta.
A sessão do dia 12 de julho de Bye Bye Brasil foi realizada na Biblioteca Ricardo Güiraldes e fez com que o clima aconchegante, ainda tomado por traços arquitetônicos do século XIX, se tornasse parte do espetáculo: o cômodo pequeno com espaço para poucas pessoas, o tom escuro da madeira dos móveis rústicos, a lareira acesa e o projetor fazendo a sua parte. Entre os 22 espectadores estava o estudante de filosofia Paulo Montagut (21), que assistiu ao filme Macunaíma e depois levou alguns amigos para ver Bye Bye Brasil. “Conheci a história do livro de Mario de Andrade por um documentário que vi em um canal estatal aqui da Argentina. Depois fiquei sabendo da mostra de cinema e vim”, relembra. Um de seus amigos era a estudante de biologia Inês Patop (21), que, durante o debate que se seguiu à exibição, julgou bastante ingênua a visão que os personagens tinham sobre as situações apresentadas. “A prostituição acaba sendo mostrada como uma coisa de muita alegria”, exemplifica.
O Cinema Novo brasileiro, que teve início na década de 1960, realçava os problemas sociais da época através de personagens conflituosos. Apesar da importância que teve nacionalmente, a vertente não se tornou muito popular entre o grande público, sendo um momento muito pontual do cenário cinematográfico brasileiro. Em geral, o filme mais lembrado pelos argentinos é Cidade de Deus, que teve quatro indicações para o Oscar de 2004. Outras produções têm mais espaço em circuitos alternativos, como o Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independente (BAFICI). O evento anual, que em abril chegou a sua 14ª edição, exibiu cerca de 20 longas e curtas-metragens brasileiros, dando destaque ao cineasta Carlos Prates e às produções da chamada Boca do Lixo, filmes produzidos na década de 1950 na atual Cracolândia. Por sua vez, a Embaixada Brasileira realizou, durante todas as quartas-feiras do mês de julho, o “Cine en la Embajada”, no qual exibe filmes do diretor brasileiro Hector Babenco, como Pixote (1977), O Beijo da Mulher Aranha (1981) e Carandiru (2003).
No âmbito literário, os hermanos também não fogem ao quadro anteriormente apresentado, restando aos grandes escritores, em sua maioria já mortos, fazerem o nome do Brasil lá fora. Os escritores mais procurados em grandes livrarias como El Ateneo são Clarice Lispector, Paulo Coelho, Jorge Amado e Guimarães Rosa. “Na maioria são os argentinos que compram os livros desses autores, porque os brasileiros vêm procurando por coisas mais refinadas que não temos aqui, como Vinícius de Moraes”, conta o vendedor Debret Viana (30). Chico Buarque é um personagem da cultura brasileira que é lembrado na música e na literatura. “Os dois livros dele foram muito procurados quando foram lançados”, conta o vendedor de uma livraria mais afastada do centro da cidade portenha.
O cenário musical é marcado por hits passageiros como Ai se eu te pego (Michel Teló) e Eu quero tchu eu quero tcha (João Lucas & Marcelo), mas na venda de discos o sucesso maior é Marisa Monte, Toquinho, Ivete Sangalo e, novamente, Chico Buarque. No El Ateneo, entre os dias 01/07 e 11/07, haviam sido vendidas 10 unidades do último álbum de Marisa Monte, O que você quer saber de verdade, 11 unidades de IS, de Ivete Sangalo, e 6 unidades de Chico, de Chico Buarque. O vendedor Javier Szczytowixt (34) diz também gostar da produção musical brasileira. “Pessoalmente acho a música muito atrativa: o ritmo é mais alegre, mais divertido do que estamos acostumados aqui”, diz. Na loja Musimundo a venda de CDs tem destaque em épocas específicas, sem contar os artistas anteriormente citados e outros como Sérgio Mendes e Maria Creuza. “Os argentinos vêm aqui procurar coletâneas de Carnaval e Bossa Nova”, conta o gerente Diego Natalio (39).
O público, mesmo que restrito, se mostra bastante entusiasmado quando o assunto é o Brasil. “Já viajei para lá e gostei muito de feijoada e sinto falta daquele doce… como chama mesmo? Brigadeiro!”, lembra a estudante Ines. A mídia também não exerce grande função na propagação das produções brasileiras, restando aos viajantes a tarefa de trocar dicas e experiências com pessoas que conhecem durante a estadia na cidade. “Buenos Aires se tornou um lugar que abriga estudantes por um preço mais acessível do que seus países de origem. Isso torna a diversidade muito maior”, reforça o jornalista do Clarín sobre a criação de um ambiente propício ao intercâmbio cultural.
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