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O Universo conspira

Ser jornalista é estar bem preparado, é trabalho duro, é ter que estar constantemente prevendo e se adaptando ao imprevisível. Mas há dias em que o Universo conspira, para o bem ou para o mal, e afeta toda a nossa vida. Para nossa sorte, nesse dia o Universo resolveu conspirar para que tudo desse certo.

Começou com a nossa visita à sede do jornal Clarín. Ou melhor, do Grupo Clarín, que engloba não apenas o jornal homônimo e sua versão digital, como o jornal Olé (primeiro e único jornal esportivo da cidade), o jornal La Razón (em estilo tabloide e distribuído gratuitamente, estilo o jornal Metro, no Brasil), revistas, rádios e até uma biblioteca digital.

À princípio, faríamos apenas uma visita guiada pela redação do jornal, para conhecer o dia a dia e a história do Clarín. Mas assim que estávamos todos reunidos, nossa guia jogou a bomba: ela havia conseguido para nós uma conversa com o secretário de redação do Clarin.com, Dario Gallo.

Aquele momento em que todo o mundo congela. Não estávamos preparados. Não tínhamos bolado perguntas. Não sabíamos nem o nome do entrevistado, que mal se apresentou antes de dirigir a palavra a nós. E tínhamos apenas meia hora, já que ele deveria sair para uma reunião de pauta logo depois.

Nossa participante Sara Abdo resumiu bem a situação durante nossa própria reunião de pauta depois: são os eternos 5 minutos. Começamos tímidos, com algumas pausas de silêncio constrangedor que não foram de longe tão longas quanto nos pareceram. Ninguém queria ser o primeiro a perguntar e se arriscar a fazer papel de bobo. Mas quando nosso entrevistado se mostrou extremamente aberto e receptivo – respondendo a todas as perguntas sem nem ligar para a assessora do lado dele que balançava a cabeça em um “não” desesperado – nos soltamos, e quase matamos a assessora do coração com algumas de nossas perguntas. Desculpa moça, somos jornalistas, vamos perguntar.

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Dario nos contou em detalhes como foi a passagem do jornal impresso para o meio digital, que no começo os jornalistas mais antigos zombavam da internet, e foi necessário muito treinamento e uma grande mudança de perspectiva para que eles aceitassem a realidade. Hoje, os mesmos jornalistas que escrevem para o jornal em papel, alimentam também o digital. Quando decidiu levar à sério a transição, o jornal contratou programadores para desenvolver uma plataforma específica para eles, que permitisse diagramar a matéria para o jornal e para o digital ao mesmo tempo, com um editor de texto e ferramentas para acrescentar fotos, vídeos e até Tweets logo ao lado. Quem tem mais dificuldade, pede ajuda para quem sabe mais.

Dario resumiu bem a relação entre os dois mundos hoje: “A audiência está no digital, mas o prestígio está no impresso”. É o dinheiro ganho com anúncios no papel que sustenta o desbravamento digital, que agora deve passar por mais uma etapa. As pessoas não estão mais consumindo a internet pelos computadores, mais de 50% dos acessos ao site do Clarín vem dos dispositivos móveis. É hora de pensar agora em como adaptar o site e as notícias para esses meios.

Mesmo em meio de tantas novidades, Dario nos assegurou que o que se necessita para ser jornalista hoje não mudou: é preciso olhar apurado, disposição para ir atrás das notícias, investigação e um bom texto. “A tecnologia não pode transformar em jornalista alguém que não é.” A mensagem tranquiliza. O Clarín continua sendo um dos jornais de maior prestígio e audiência dentre todos os de língua espanhola; segundo o secretário de redação, mesmo na crise não fizeram um passaralho. Eles devem saber o que estão fazendo.

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Terminada a conversa, partimos para o tour pela redação do jornal, do online, e do Olé. O Universo conspira novamente (ajudado pela nossa fantástica guia, Anabel), e conseguimos entrar no estúdio onde são gravadas as matérias em vídeo para o site do Olé. Na mesa de um dos jornalistas, uma frase se destacou para os participantes, como conta a Ketlyn Araujo:

“Não vou deixar o jornalismo. Foi essa a frase que mais me chamou atenção durante a visita que fizemos hoje, 04/07, ao Diário Clarín, o jornal de maior circulação na Argentina. Em época de redações enxutas, a do Clarín supera as expectativas. É grande o suficiente para impressionar: 500 pessoas trabalham no jornal, que une a parte digital e a parte impressa no mesmo espaço.

Não vou deixar o jornalismo, dizia o papel colado em cima de um computador em uma mesa vazia do Clarín. Um lembrete para as crises cotidianas – as do anônimo e as minhas também.”

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Saímos da redação com a mente renovada e então o grupo se dividiu. A visita era a única atividade programada do dia, o resto do tempo era para ser focado nas pautas individuais. Por exemplo, a Sara foi até o Kavanagh, 1º arranha-céu da América Latina, tentar entrevistas e fotos para sua matéria que compara o antigo edifício com o Copan brasileiro.

Uma parte do grupo estava meio indecisa, mas o Universo conspira de novo. Por acaso, a correspondente da Folha, Luciana Dywiniecz, com quem havíamos falado no dia anterior, havia mencionado que todos os dias dezenas de pessoas se reuniam na frente da casa de Cristina Kirchner para ver a presidente e que valia a visita curiosa. Com o resto da tarde livre, alguns dos participantes resolveram verificar, afinal, como aprendemos com a Luciana, o bom jornalista nunca deve perder uma oportunidade.

Chegando lá, descobriram que a ex-presidente argentina teria um evento no fim da tarde, e estava marcada para sair de casa logo mais. A visita renderia, no mínimo, uma visão ao vivo de Cristina. O Universo conspira. Rendeu muito mais. Rendeu fotos para a Ethel Rudnitzki e uma entrevista exclusiva da ex-presidente para a Eunice Ramos, comentando sobre a pauta do dia que era o ataque ao jornal Tiempo Argentino (que pertence a empresários ligados a ela).

Foto por: Ethel Rudnitzki
Foto por: Ethel Rudnitzki

Luiz Fernando Teixeira, que serviu como câmera, faz até parecer fácil:

“Além do aglomerado de civis, um punhado de jornalistas também tentava vê-la (e quem sabe falar com ela) durante o curto espaço de tempo que ela levaria para ir até o cruze amassado. Era por isso que eu e os colegas de Jornalismo Sem Fronteiras estávamos lá, afinal de contas. Experiente, Eunice já havia traçado o mapa de como chegar perto de Cristina e se aproveitou de minha altura para ajudá-la a registrar o momento. Jack e Matheus estavam infiltrados, assim como as fotógrafas Ethel, Angélica e Lígia.

Quando Cristina enfim saiu de casa, uma claque surgiu e começou a gritar “SENADORA”. Nem um pouco perturbada, ela passou a cumprimentar os civis (incluindo Jack e Matheus), além de ter dado uma ignorada blasé em Eunice. Porém, mudou de ideia e falou com ela por dois minutos. Na verdade, ela falou sozinha e aproveitou tanto os holofotes acidentais quanto os propositais.”

Mas Eunice conta que a realidade é muito mais complicada do que parece:

“Eu tinha que analisar o ambiente e pensar rápido em um plano “B”.

Do outro lado do carro onde ela entraria, tinha menos gente. O carro do segurança estava colado no carro da ex-presidente. Pensei cá com meus botões: “é aqui mesmo”.

Como sou pequena, conseguiria avançar um pouco naquele vão para chegar até ela, mas os seguranças não poderiam perceber que este era o meu plano! O Luiz, que é bem mais alto que eu (deve ter um metro e oitenta), estava atrás de meu. Pluguei meu microfone no celular e entreguei para ele. Pedi que ele gravasse e se preocupasse só em enquadrar ela. Quando Cristina apareceu na porta foi um “salve-se quem puder”. Fiquei quase deitada em cima do carro, com a perna torcida no pequeno vão que se formava com o carro de trás.

Comecei a gritar.. “Cristina, uma palavrinha, Brasil, TV Globo”! Ela já estava quase entrando no carro quando ouviu, se virou e veio na minha direção. Tive tanta sorte (bênção da Nossa Senhora da Reportagem!) que ela falou sobre o factual do dia – o ataque a um Jornal que recebia quantias milionárias em publicidade durante o governo dela. Enquanto ela falava eu nem acreditava que aquilo estava acontecendo! Quando eu ia perguntar sobre a corrupção ela virou as costas e foi embora. Mas o principal eu já tinha, uma fala dela sobre um factual do dia! Bingo!”

Nesse vídeo da Jacqueline Moraes dá pra ver bem o suplício que foi.

Com o material em mãos, Eunice logo tratou de entrar em contato novamente com a GloboNews. O Universo Conspira. Iriamos sair novamente em um dos jornais de maior prestígio do Brasil, só precisávamos que ela gravasse também uma chamada para a matéria.

Depois disso foi um salve-se quem puder. O quarto de Eunice se transformou em uma redação improvisada, com todos checando informações sobre o ataque, ajudando a escrever o texto, enviando os vídeos já prontos para a editora do jornal.

Texto aprovado, maratona parte dois: gravar a chamada. Pegamos tripé, celulares e microfone e saímos debaixo de uma garoa fina até perto da Galeria Pacífico, onde escolhemos o local para a chamada. E escolhe posição, e arruma tripé, e prepara o celular para gravação. Quem não estava cuidando da câmera, serviu de equipe de iluminação, com as lanternas dos próprios celulares. Começa a gravação.
O universo conspirou novamente, só que agora para o mal. Eunice errou o texto várias vezes, acabou a memória do celular mais de uma vez. A bateria de um dos nossos “técnicos de luz” acabou e pegamos apressados outro celular. Um ônibus passou ao lado e buzinou bem na hora H.

Olha o tamanho da produção para gravar a chamada da matéria!
Olha o tamanho da produção para gravar a chamada da matéria!

Quando Eunice acertou o texto completo, a comemoração não durou muito: alguém havia esbarrado no fio do microfone e o áudio não saiu. Dá-lhe arrumar tudo de novo, o bom jornalista tem que ter paciência e ser persistente. Quando estávamos quase chegando ao fim da nova gravação, um portenho bêbado gostou da confusão e colou do lado de Eunice, querendo saber o que estava acontecendo e efetivamente se enfiando no meio do vídeo. Foi difícil fazer ele entender que estava atrapalhando e deveria chegar alguns passos para o lado. Tentamos de novo. Foi! Dessa vez para valer!

Voltamos para o hotel e, com vídeos e textos enviados, fomos comemorar a noite de trabalho bem feito. O Universo conspira e o restaurante ainda estava aberto apesar de ser quase meia noite. Felicidade total. Como bons brasileiros, tudo acabou em pizza.

Torcemos para que o Universo (ou a Nossa Senhora da Reportagem) continue conspirando a nosso favor nos dias que ainda temos pela frente.

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