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“Lionel é o futebol”
Argentinos enfrentam frio e chuva para pedir que o ídolo retorne à seleção
ANDRÉ COSTA BRANCO
LUIZ FERNANDO TEIXEIRA
DE BUENOS AIRES
Um desavisado que passasse pela Praça da República, no centro de Buenos Aires, na noite de sábado (2) não entenderia por que dois homens subiram no que parecia ser um mastro com uma bandeira que cobrava a volta de Lionel Messi à Seleção Argentina. Metade da praça, em frente ao Obelisco, pulsava com a energia dos hinchas, como são chamados os torcedores argentinos, que não temeram a chuva, o frio e a lama.
O atacante do Barcelona anunciou a aposentadoria da seleção nacional após perder um pênalti decisivo que resultou na eliminação para o Chile na final da Copa América Centenário, o que prolongou para 23 anos o tabu de títulos da Argentina.
Um dos organizadores do evento em apoio a Messi, Santiago di Paolo, declarou que a ideia da manifestação surgiu logo após o anúncio do craque, quando um sentimento de tristeza surgiu entre ele e seus amigos. “Nunca pensamos que teria a repercussão que teve. Foi realmente impressionante. O ‘bandeiraço’ não teve o tamanho que esperávamos, mas ficamos muito contentes pela quantidade de gente que veio apesar da chuva tão forte e incessante”, afirmou.
“Se sofre, se chora, mas nunca se abandona”, resumiu Brian Moreira, de 23 anos, sobre Messi. Para ele, a culpa para a perda da Copa América é dos dirigentes da Associação de Futebol Argentino (AFA), a quem chama de corruptos. “Enquanto eles continuarem lá, nada vai mudar. Estamos aqui para apoiar Messi e os jogadores.”
A atmosfera era de um jogo de futebol, com direito aos cânticos que os argentinos sempre entoam nos estádios. Até mesmo “Décime que se siente”, a versão hermana para a música “Bad Moon Rising”, do grupo Creedence Clearwater Revival, que fez sucesso na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, foi cantada.
Ao redor da aglomeração mais empolgada, formada por jovens, famílias observavam a movimentação. “É a minha primeira marcha”, comentou Sabina Gonzáles. “Não só para um jogador de futebol, mas de qualquer tipo.” Muitas crianças também celebraram seu carinho pelo ídolo. O pequeno Lionel, de cinco anos, foi assim batizado em homenagem a Messi, como explicou o pai, Damian.
Messi é um símbolo para boa parte dos argentinos, carentes de ídolos e órfãos de títulos, algo que Diego Armando Maradona proveu em seus tempos de jogador. Porém, El Dios já não é mais unanimidade entre os argentinos, com parte deles cravando que o atacante do Barcelona é o maior de todos os tempos. “Com a bola, como pessoa e como argentino, Messi é melhor. E temos que apoia-lo”, opinou Sandra Avendaño.
Segundo o organizador Di Paolo, seria uma desilusão muito grande para o povo argentino que Messi se aposente. “O futebol estaria deixando a seleção Argentina. Somos o único país capaz de criticar o melhor do mundo, quando outros países se matariam para tê-lo. É a minoria que o critica, mas deve ser bastante doloroso que sua própria gente, do seu país, tenha sempre algo a dizer e que não se conforme nunca”, refletiu o torcedor.
Vídeo por: Luiz Fernando Teixeira
Considerado cinco vezes melhor do mundo pela Fifa e dono de um currículo invejável no Barcelona, a relação dos argentinos com Messi é frequentemente posta em dúvida, pelo fato de ele atuar na Espanha desde a pré-adolescência e não ter uma residência na Argentina. Porém, a reunião na Praça da República parece indicar que entre a população, Messi é sim uma unanimidade: “Lionel é o futebol e o futebol é Lionel”, resumiu Di Paolo.
Apesar de outros importantes jogadores da seleção, como Javier Mascherano e Angel di María, também afirmarem que não irão mais representar a Argentina, o foco das atenções era Messi. Ao longo da semana, uma campanha para que o ídolo reveja sua decisão engajou todo o país. O presidente Mauricio Macri afirmou que “Messi é um presente de Deus”. Nas redes sociais, a tag #NoTeVayasLio (não se vá, Lio) foi uma das mais comentadas.
ANDRÉ COSTA BRANCO e LUIZ FERNANDO TEIXEIRA são jornalistas e participaram do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva a Buenos Aires profissionais para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondentes.
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