Como entender uma nação que viveu o período ditatorial mais sanguinário da América do Sul,…
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Imagens também falam
Por Elisa Esposito
A produção jornalística através de documentários
Na quinta-feira passada, 2 de julho, iniciou-se o 10º Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Para quem nunca foi, como eu nunca tinha ido, vale muito a pena o investimento.
Essa mesa, em especial, foi bastante enriquecedora, pois tornou mais palpável como fazer documentários, que é um grande sonho meu. Também mostrou ser possível, a produção individual, sem equipe ou sem aquele ombro amigo para ajudar, para os que gostam de se aventurar.
É interessante termos conhecimento que, embora o jornalismo seja uma profissão coletiva, que exige uma redação, as tecnologias de hoje, como o celular sempre a mão, tornam possíveis produções solitárias. Assim, a gente não precisa depender da boa vontade do outro e não precisamos abandonar velhos sonhos e desejos.
Na mesa, dois jovens inovadores que resolveram abandonar o jornalismo tradicional, Pedro Rocha e Carlos Juliano Barros, contam seus trajetos por meio de reportagens em vídeos, o que torna a matéria ainda mais rica e nos transporta para a cena do ocorrido ( as vezes até parece que literalmente estamos na cena, pois o medo, a angústia e todas as emoções presentes nas cenas, nos tomam corpo e forma).
O primeiro a se pronunciar foi Pedro, do coletivo Nigéria, que já achei interessante desde o nome. “Nigéria” faz referencia a todos os excluídos e esquecidos pela cobertura midiática, que é o enfoque do coletivo.
A ideia surgiu em 2012, em Fortaleza, como uma produtora para ações não governamentais que mostrasse os conflitos sociais existentes através das próprias pessoas. São alguns títulos da produtora/coletivo: “A comunidade que desviou o trem”, “Com vandalismo” e “Defensores”.
O primeiro documentário mencionado, mostra como uma comunidade em Fortaleza conseguiu desviar as obras de uma ferrovia para outra região. A obra seria para a Copa do Mundo. No filme também é evidenciado o aumento da prostituição na região por conta do evento mundial.
“Com vandalismo” foi a produção que tornou Nigéria conhecido pelo público. Relata os protestos iniciados a partir de junho de 2013 em que a mídia dividiu os protestantes das ruas em “pacíficos” e “vândalos”. Com uma proposta de quebrar o senso-comum instaurado e preconceitos, filmam juntamente com os manifestantes do grupo Black-Blocs. É interessante e bastante ilustrativo, a perseguição da polícia contra esse grupo em que o próprio cinegrafista corre com a câmera na mão (filmagem bastante inovadora , aparecendo apenas flashes borrados e o barulho da confusão).
“Defensores” é um novo projeto, bastante ambicioso, que passa pelas 5 regiões do país. O filme registrou o cotidiano de ativistas de direitos humanos e justiça social, de populações indígenas à LGBT, a ação de defensoras e defensores dos direitos à moradia e à justiça e a resistência de comunidades tradicionais a grandes obras do Estado. Como os cultos foram altos, contaram com a ajuda de doações por meio do site crowdfuding Catarse. Ao final da palestra, perguntei a Pedro como conseguiu encontrar histórias interessantes sobre as 5 regiões, apesar de nunca ter ido à certas cidades. “É importante manter uma rede de contatos. Sempre que vou a um novo local, pergunto à ONGs e instituições de direitos humanos sobre histórias daquela região”.
Já Carlos Juliano, apelidado de Caju, foi um dos fundadores da ONG Repórter Brasil, que existe há 15 anos. Inicia sua fala com uma problemática: a crise na narrativa. Com a produção excessiva de imagens, a narrativa ficou em segundo plano e a boa história, que é o mais importante na produção de conteúdo, foi deixada de lado. Quem perde com isso é o público, que pode apreciar boas imagens, mas com explicações e aprofundamentos rasos. “Somos ‘homovidens’ (homens vídeos, em tradução literal), a imagem fala mais do que mil palavras, como dizem. Ela define a forma como o ser humano se informa”, afirma.
Partindo da teoria para a prática, Caju nos convida a assistir o impressionante documentário “Carne e osso” que mostra as péssimas condições de trabalho existente nos frigoríferos. “Depois desse documentário fiquei um bom tempo sem comer carne. Até hoje evito um pouco”. O filme participou da seleção oficial no festival “É tudo verdade”. Felizmente as condições de trabalho hoje são melhores, há tempo de descanso e revezamento e as “mínimas condições humanas”, completa.
Seu novo projeto, intitulado de “Jaci: 7 pecados capitais de uma obra amazônica”, conta as aventuras de trabalhadores que saíram de diversos estados para erguer a hidrelétrica de Jirau. Também selecionado pelo festival “É Tudo Verdade”, foram realizados quatro anos de filmagem. “Depoimentos de autoridades e especialistas, além das diversas pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela obra, ajudam a pintar um retrato em cores vivas dos impactos sociais, ambientais e trabalhistas da construção da usina que tem o terceiro maior potencial hidrelétrico do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)”, explica Caju. Foram utilizadas mais de 30 câmeras e algumas filmagens dos próprios trabalhadores.
Ao final da palestra, ambos falam da importância de se pensar na matéria através de imagens, pois é uma linguagem “totalmente diferente do jornalismo escrito”, afirma Pedro. Também citam outros trabalhos que servem como inspiração como a Vice News, a TV Folha e o documentário “O impostor”.
Quanto aos equipamentos mínimos necessários, lapela, tripé e câmera fazem qualquer documentário. Enquanto o dinheiro não vem para investir nos equipamentos, o smartphone faz a vez das câmeras , como o curta premiado “Sugar Men”. “Com Iphone e derivados tudo se torna mais acessível. Agora ninguém tem desculpas para não produzir”, brinca Caju.
* A maioria dos documentários mencionados se encontra disponível no Youtube
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