skip to Main Content

À espera de Cristina

Quem são as pessoas que aguardam a ex-presidente?

ETHEL RUDNITZKI
MATHEUS PIMENTEL

DE BUENOS AIRES

 

No coração da Recoleta, bairro nobre de Buenos Aires, mora a ex-presidente Cristina Kirchner, mas apenas em algumas épocas do ano. A maior parte do tempo ela passa em sua residência em El Calafate, cidadezinha localizada no sul do país e a mais de 2.700 km da Casa Rosada. Em 4 de julho de 2016, segunda-feira fria e chuvosa, ela estava na capital.

Distância entre as duas casas de Cristina.
Distância entre as duas casas de Cristina.

Se não fosse pela célebre moradora, o apartamento na Recoleta não mereceria o olhar de quem passa pela frente. Com uma entrada discreta, o prédio fica escondido pelos ramos das árvores que fecham a rua. Quando Cristina está em Buenos Aires, no entanto, o local é enfeitado e povoado por pessoas apaixonadas pela ex-presidente. Na segunda-feira foi assim.

Cristina havia regressado à capital dois dias antes, quando foi recebida calorosamente por centenas de apoiadores no Aeroparque. Em rara aparição pública desde que deixou o poder, em dezembro, Cristina concedeu no domingo uma entrevista ao jornalista Roberto Navarro na emissora de televisão C5N, que pertence a um aliado. E o assunto deu o que falar: durante a exibição da entrevista, a audiência do canal disparou e a hashtag #CristinaConNavarro chegou a ser o assunto mais comentado do mundo no Twitter.

Não que tenha sido um regresso triunfal a Buenos Aires. A ex-chefe de Estado foi à capital para ser notificada pela Justiça, que a investiga por denúncias de corrupção. Com o acirramento dos ânimos políticos, argentinos pró-Cristina foram à Recoleta na segunda-feira para manifestar apoio à ex-presidente. Eles eram maioria entre as quase 150 pessoas que se amontoavam à espera da aparição de Cristina — curiosos e jornalistas também marcaram presença. Para um transeunte que não estivesse ciente do que estava acontecendo, um cartaz feito à mão e colado na porta do prédio dava a dica: “Obrigada, presidenta! Nós voltaremos”.

Sinalização na porta da Rua Juncal, 1411. Foto por: Ethel Rudnitzki
Sinalização na porta da Rua Juncal, 1411. Foto por: Ethel Rudnitzki

A figura vigilante e sorridente de Ariadna se destacava entre os que aguardavam Cristina. Empunhava o tempo inteiro um buquê de flores brancas e não se distanciava muito de sua mala, feita para durar até a quinta-feira. Também não ficava muito longe da porta, afinal, após percorrer de ônibus os 370 km desde a cidade de Villa Gesell para acampar em frente ao prédio da ex-presidente, não podia pôr em risco sua chance de ver Cristina pela primeira vez. Ela conta que vendeu o celular para comprar a passagem para Buenos Aires. “Estou aqui porque Cristina me devolveu a dignidade de voltar aos estudos, de ser alguém na vida”, explicou Ariadna, que também é militante do partido Nuevo Encuentro, integrante da coalizão kirchnerista Frente Para a Vitória.

Ariadna exibindo suas homenagens a Cristina. Foto por: Ethel Rudnitzki
Ariadna exibindo suas homenagens a Cristina. Foto por: Ethel Rudnitzki

Ariadna tinha viajado sozinha à capital, mas já parecia enturmada e amiga de longa data de outras pessoas que também estavam de vigília ali pela esquina das ruas Juncal e Uruguay. Ao seu lado, sorrindo com descontração enquanto ela era entrevistada, estavam militantes do grupo kirchnerista La Cámpora. Entre eles, um chamava a atenção não só pela estatura, mas também pela pronúncia limpa do português.

Recém-ingressado na militância política, Nahuel afirma que Cristina está sendo perseguida e que o Judiciário argentino “atua como se fosse um partido de oposição” à ex-presidente e ao seu círculo mais próximo. Nahuel conta que ingressou no La Cámpora apenas em outubro do ano passado, quando ocorreram as eleições presidenciais em que Mauricio Macri, então opositor, foi o vencedor. Daniel Scioli, apoiado por Cristina, havia ficado à frente de Macri no primeiro turno.

Militantes do La Campora prontos e ansiosos para a recepção de Cristina. Foto por: Ethel Rudnitzki
Militantes do La Campora prontos e ansiosos para a recepção de Cristina. Foto por: Ethel Rudnitzki

“Repressão”, “desemprego” e “pobreza” foram as palavras que o militante escolheu para se referir ao atual governo. Indagado sobre um possível retorno de Cristina à Presidência, Nahuel não deixou claro se aposta nesse cenário: “Pode ser, quem sabe? Faltam quatro anos ainda, é muito caminho, mas o que ela decidir a gente vai acompanhar”.

Distante de Ariadna e Nahuel, um homem que aguardava Cristina por vezes falava alto e concentrava olhares de muitos dos presentes. “Na crise de 2001, houve um esvaziamento de poder na Argentina e Cristina soube canalizar, junto com Néstor, esse vazio”, afirma o homem, que atende pelo nome de Emiliano. Para ele, a ex-presidente fez os argentinos acreditarem em uma política “que tem a ver com as classes sociais e com a ideia de que todos somos iguais”.

No aperto da espera, ele retirou da mochila um envelope. “Há momentos que você guarda”, disse imediatamente antes de sacar uma foto de Cristina, o que levou um vizinho seu a soltar um grito. “Essa é uma foto da foto, a original tenho emoldurada na parede de casa”, conta. A foto, ele explicou, era do único encontro que tivera com a ex-presidente na vida até então. Emiliano, locutor de rádio, viu Cristina pessoalmente quando ela era senadora e primeira-dama, nos primeiros meses do governo de Néstor. Carregava a exatidão da data na ponta da língua: “Foi em 23 de julho de 2003, na embaixada argentina nos Estados Unidos”, e complementou, após uma pausa: “milhares de lembranças”.

Quando finalmente por volta das 19 horas, a ex-presidente saiu do seu portão, o caminho para ela percorrer já estava estabelecido. Seguranças e militantes do La Cámpora formavam um corredor humano para Cristina caminhar da calçada até seu carro, estacionado imediatamente na frente do prédio. Mesmo assim, ela fez questão de dar a mão a quem pedia e recolher todos os presentes que lhes eram oferecidos. Ariadna não conseguiu entregar em mãos as flores que trouxera, mas delegou a tarefa a Nahuel, que a fez com prazer.

Ex-presidente escoltada por seguranças e celebrada pela multidão. Foto por: Ethel Rudnitzki
Ex-presidente escoltada por seguranças e celebrada pela multidão. Foto por: Ethel Rudnitzki

Entre gritos de “Cristina, volta!”, “Futura senadora” e “Cris!”, a ex-presidente fez um breve comentário à imprensa brasileira e partiu em seu Chevrolet Cruze branco amassado. Curiosos e jornalistas também se foram, e ficaram lá apenas os kirchneristas em mais uma espera pelo retorno de Cristina.

 

ETHEL RUDNITZKI e MATHEUS PIMENTEL são jornalistas e participaram do V Jornalismo Sem Fronteiras em Buenos Aires, onde praticaram registro e produção de conteúdo por 10 dias como correspondentes internacionais.

This Post Has 0 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Back To Top