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Brasília, o Olimpo do jornalismo político
Durante uma semana em Brasília, percebemos que não é tão simples assim chegar às portas do poder para reportar
FÁBIO BISPO
DE BRASÍLIA
Brasília é uma cidade plana, incrustada no meio do Cerrado, muito distante de praticamente todas as demais centralidades do Brasil. Para onde se olhe, o ponto de referência são as torres do Congresso Nacional, por onde passam as principais discussões políticas do país e onde também repousam os textos que regem a ordem da nação. A Capital Federal é a terceira cidade mais populosa do país e a maior construída do mundo no século 20. Um celeiro de informações ininterruptas com efeitos práticos sobre a vida de quase todos. Para o jornalismo político, Brasília é o Monte Olimpo.
Foi exatamente o que eu percebi depois de uma semana intensa na cidade pelo III Jornalismo & Poder, do Jornalismo Sem Fronteiras, entre os dias 8 e 15 de dezembro de 2016. Acompanhar Brasília é estar no olho do furacão da política brasileira, principalmente neste último ano, quando o país viu as maiores instâncias políticas do país e seus representantes envolvidos em escândalos de corrupção. Todos os olhos estão voltados para Brasília.
Reflexo disso pode ser visto no famoso Salão Verde da Câmara, onde ficam a postos jornalistas de quase todos os veículos e agências que cobrem a política nacional. Mas não basta estar ali na hora da coletiva ou no cafezinho tentando cercar o mais recente delatado em algumas das operações da Polícia Federal que rondam o Planalto. Cobrir Brasília exige perícia e expertise. É conhecer mais que o Salão Verde. É saber o caminho de documentos adormecidos nos escaninhos; ter fontes confiáveis e uma boa percepção de todo o contexto que nos cerca. Como disse Lisandra Paraguassu, repórter da Reuters Brasil, durante uma das palestras do Jornalismo & Poder: “Muita informação em Brasília é balão de ensaio”.
A repórter que iniciou a carreira na Zero Hora e passou pelo Estadão, antes de chegar a maior agência internacional de notícias do mundo, nos contou que a cobertura política nunca está descolada de outras áreas de interesse jornalístico, como saúde e educação, por exemplo. “É preciso mostrar como as questões políticas interferem na vida das pessoas”, emenda.
Bernardo Mello Franco, colunista da página 2 da Folha, enfatiza que a cobertura de Brasília tem que ter a capacidade de ser informativa e crítica ao mesmo tempo, caso contrário, ficamos todos reféns das informações oficiais, as quais, como de praxe, são divulgadas por meio de coletivas onde toda a imprensa é convocada. “O jornalismo tem que funcionar como o ferrinho do dentista, tem que apertar onde está doendo. Todo político está sujeito ao escrutínio da crítica. Se você não faz isso está fazendo mau jornalismo”, disse.
Mello lembrou que quando começou no jornalismo, o único espaço que os veículos tinham para interação com seu público eram os espaços das cartas. Hoje, a relação e a interação estão cada vez mais intensas com a internet e as redes sociais.
Mas tudo isso não quer dizer que o jornalismo em Brasília consiga ser pleno —sempre verdadeiro e puro— como gostaríamos de imaginar. Casos como o de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que está na Câmara Federal desde 1991, mas só ganhou os holofotes agora, mostram que a imprensa nem sempre joga luz sobre os interesses da maioria. “O jornalismo tem dessas, de dar relevo para polêmicas. Ai o personagem vê que a polêmica funciona e faz uma polêmica maior ainda”, declarou Bernardo Mello ao citar nomes como de Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e Donald Trump.
E não invariavelmente, as notícias em Brasília parecem querer vencer o mensageiro no cansaço, quando sessões de grande importância e impactos duram intermináveis horas para se concluírem. O fotojornalista Alan Marques, da Folha de São Paulo, e que há 15 anos realiza as coberturas fotográficas de tudo o que é relacionado à política em Brasília, relatou que algumas das coberturas do Impeachment de Dilma Rousseff (PT) duraram mais de 36 horas de apuração. E mesmo que capte os acontecimentos em imagens, Alan Marques diz que no mezanino do Congresso, muitas vezes, é preciso ter ouvidos mais precisos que as lentes.
Já na televisão, Murilo Salviano, repórter da Globonews, diz que o jornalismo precisa saber de antemão o público com quem está se relacionando. Isso permite que em alguns casos, por exemplo, assim como o repórter dispensa o terno e a gravata, a linguagem precisa deixar de lado textos exageradamente formais ainda pregados por muitos veículos televisivos.
Para Salviano, por mais que pareça óbvio, é preciso que o repórter estude os temas abordados nas reportagens e, principalmente, tenha fontes confiáveis no Congresso e no Planalto. E diz que por mais que existam encontros e reuniões restritas aos jornalistas, sempre é possível encontrar alguém que participou ou que saiba informações precisas desses encontros.
Não foi difícil perceber que para se chegar ao topo do Olimpo —para manter o jogo com a mitologia— é preciso ser quase sobre-humano em Brasília. Por mais que os discursos sobre o fim da imprensa escrita e o de que a internet consegue levar informação “gratuita” a qualquer parte do mundo —desculpas para a crise do jornalismo—, o jornalismo político brasileiro não sobreviveria sem uma cobertura inteligente e eficiente de Brasília.
Ao longo de uma semana, encaramos a missão a cobertura de política de Brasília. Saímos pelos corredores do Congresso, em reuniões nos ministérios, encontros em restaurantes e até dependurados atrás de telefones —muitos políticos designados em Brasília não estão sempre em Brasília— para conseguir a informação. Uma semana de vitórias, acertos e tropeços. Conseguimos nos ver espelhados em publicações replicadas por outros veículos, e em textos inacabados — em Brasília nem sempre se consegue confirmar uma convicção. Tudo acompanhado de perto pela jornalista Claudia Rossi e sua equipe do Jornalismo Sem Fronteiras.
Sabemos que muito ainda se peca e que muitos anseios ficam de fora de debates maiores. Que verdades e notícias não são a mesma coisa quando estão isoladas (Walter Lippmann em Opinião Pública). E que é preciso desconfiar sempre de qualquer informação fácil vinda de um político —não somente pelo caráter da fonte, que pode ser ou não duvidosa, mas também pelo cuidado que se deve ter com a informação. Mas que independente de tudo isso, nenhuma cobertura política pode se calçar em pés de barro. Que nenhum jornalista despreparado sobrevive a Brasília e que nunca faltarão assuntos quentes enquanto a cidade de Niemeyer continuar sendo a Capital Federal.
Para nós, a maioria jornalistas de primeira viagem em Brasília, a semana do III Jornalismo & Poder foi um sopro: breve e refrescante, impossível de se imaginar sem ter estado lá.
FÁBIO BISPO é jornalista e participa do programa “Jornalismo & Poder”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Brasília para uma imersão de uma semana na cobertura política.
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