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O ciclo da inspiração

Cinco premiações e 119 histórias. Estes são dois dos números do projeto “Mulheres Inspiradoras”. Eles se fazem necessários para que tenhamos noção de quanta gente foi atingida por esta bela iniciativa, mas longe de mim reduzi-lo a números. “Mulheres Inspiradoras” é sobre contar histórias, ressignificar o olhar e reconstruir o afeto.

PAMELA MACHADO
DE BRASÍLIA

Tudo começou nas redes sociais. Depois de muitos anos no magistério, Gina Vieira Porte de Albuquerque, professora de Língua Portuguesa da rede pública de Ceilândia, no Distrito Federal, foi tomada por uma sensação de tristeza e desânimo ao perceber que não conseguia mobilizar os alunos para a aprendizagem. Pensou em desistir da profissão, mas antes quis tentar mais uma vez. Fez três especializações, cursos de extensão e entendeu que o problema estava no modelo educacional que beira um processo industrial: lê no livro, copia para o caderno, decora para responder na prova. Se desafiou a inserir as novas tecnologias em sua prática pedagógica e entrou para as redes sociais a fim de conhecer melhor os alunos. Foi aí que se deparou com um vídeo de uma aluna de 13 anos que se colocava em posição de hipersexualização e fetichização. Sentiu que precisava ir à raiz do problema: a objetificação da mulher.

A partir daí, mudou toda sua metodologia de trabalho e construiu um projeto em que os pilares eram leitura, escrita e o protagonismo dos alunos. O norte foi reconstruir a representatividade feminina para as meninas e oferecer um novo olhar para os meninos. Anne Frank, Malala Yousafzai, Carolina Maria de Jesus e Cristiane Sobral guiaram a viagem do grupo que, a cada leitura, refletia sobre as várias formas de violência contra a mulher e os convidava a combater estas violências.

Gina Vieira no lançamento do livro. Foto divulgação Guia de Ceilândia.

Negra, filha de pai analfabeto e mãe instruída até a 4ª série, de origem pobre e periférica, Gina cresceu ouvindo seus pais dizerem que a educação era a única garantia de fazer com que a história não se repetisse. Estudar não era a maior dificuldade. O problema era ser negra numa sociedade racista. A mesma fonte que ofereceria educação, embebedava Gina em agressões. Aos poucos, foi se anulando na expectativa de ser invisível para que não mais apanhasse. Com oito anos, seus colegas tinham aprendido a ler e ela não. Até que a professora a chamou para conversar. Acostumada com os ataques, pensou que apanharia mais uma vez. Para sua surpresa, a professora Creusa a colocou no colo, cobriu-a de afeto e engajou-se particularmente em sua educação. Com lágrimas nos olhos, Gina conta: “ela se entusiasmava muito com a minha aprendizagem, aquilo foi muito forte porque senti que era uma criança passível de ser amada como as outras. Ela permitiu que eu participasse das apresentações de teatro”. A partir de então, o desejo de ser invisível deu lugar ao sonho de ser professora e transformar outras crianças. Aos 12 anos, já tinha alfabetizado os três irmãos mais novos, um inclusive avançou uma série na escola porque chegou muito adiantado. Depois de muita dificuldade, aos 19, já era professora concursada, onde está desde então, há 25 anos.

Mulheres Inspiradoras

As inspirações vão de Anne Frank a Patrícia Melo Pereira. Depois dos relatos sobre dez grandes mulheres conhecidas por marcarem a história brasileira e/ou mundial, foi a vez de conhecerem quatro mulheres de Ceilândia que marcaram a comunidade local. Já com o conceito de inspiração formulado, elegeram as mulheres que lhes inspiram e escreveram sobre elas.

Muitos escolheram mães, avós, professoras e tias. Para entenderem e até mesmo conhecerem a história destas mulheres tão próximas, mas muita vezes com trajetórias desconhecidas pelos próprios filhos, Gina sentou com seus alunos e elaborou um roteiro de entrevista. A exemplo das entrevistas de grandes repórteres com fontes especializadas, as conversas deveriam ser agendadas e gravadas em áudio. “Quando eles chegavam com o termo de entrevista para a mãe, dizendo que ela tinha sido escolhida para ser entrevistada porque era sua mulher inspiradora, elas não acreditavam, não se percebiam assim”.

No verso do livro, vemos o seguinte depoimento:

Pedro Henrique, meu filho querido, fiquei emocionada e ainda fico em saber que sou a ‘Mulher Inspiradora’ de sua vida. Esse foi o tema de um belo trabalho desenvolvido pela sua escola, que nos aproximou  ainda mais um do outro, pois lhe fez conhecer um pouco mais da minha história de vida e me conhecer mais como mulher – Gorete da Silva, mãe do aluno Pedro Henrique

 

“Se a história é nossa, deixa que a gente conta”

O resultado final foi um levantamento rico em representatividade, narrativa e documentação histórica. Não fazia sentido ficar engavetado apenas como avaliação escolar, então surgiu o livro organizado por Gina e Vitória Régia de Oliveira Pires, supervisora pedagógica.

Antes mesmo de o livro se concretizar, o Projeto já havia trazido muitos prêmios para Gina: 3º Prêmio Mulher Educadora- Cidadã do Mundo, 4º Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, 8º Prêmio Professores do Brasil e o 10º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero. “Mulheres Inspiradoras” voou ainda mais longe e chegou ao Peru, onde foi o primeiro colocado no 1º Prêmio Ibero- Americano de Educação em Direitos Humanos.

Assim, Gina dá prosseguimento ao ciclo que se iniciou quando ela tinha 8 anos de idade: segue inspirando seus alunos a fazer do Mundo um lugar melhor.

 

PAMELA MACHADO é jornalista e participa do programa “Jornalismo & Poder”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Brasília para uma imersão de uma semana na cobertura política.

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