Sábado também é dia de IX Jornalismo sem Fronteiras. O compromisso diário estava marcado para…
Dando 150%
Imagine você estar em outro país, do outro lado do mundo, em um pequeno quarto de hotel com pouca infraestrutura. Não é a pior coisa que pode acontecer no mundo. Agora imagine que isso é em um ano antes da internet, antes dos celulares com câmera, e que você é um correspondente querendo transmitir uma notícia para seus chefes, com texto e fotos. Aí tudo já fica bem mais complicado.
Com a porta bem fechada e todas as frestas tapadas, o banheiro se converte em um estúdio de revelação de fotos improvisado. A grande busca é por um centro de telégrafos, uma agência, qualquer lugar com uma linha de conexão, onde o texto poderá ser digitado na máquina e enviado para os editores. Para transmitir uma foto então, precisa de um aparelho especial, e o processo todo leva horas.
Era assim que trabalhavam os correspondente s da Agência EFE, a agência de notícias espanhola, durante a maioria de seus mais de 75 anos de sua história. Uma parte da qual se mantém viva e bem documentada em um museu de 3 andares que existe dentro do prédio da própria agência, onde equipamentos antigos, documentos de correspondentes, estúdios e algumas das milh ões de fotografias que já foram produzidas por seus repórteres estão à mostra para o público.
Um mergulho no passado, que tivemos a honra de fazer acompanhados por Francisco Figueroa, que trabalhou na EFE por 38 anos, 25 dos quais como correspondente na América Latina, e que a cada equipamento, foto, ou texto que passávamos, nos contava sua própria experiência profissional, que dava um tempero a mais às já instigantes peças.
Foi ele que nos contou, por exemplo, as dificuldades que os correspondentes precisavam passar com os equipamentos antigos, e apontava com saudade aqueles que havia usado em sua própria carreira ou não, e quais se mostraram mais úteis do que os outros.
Por todas as fotos que passávamos, conhecia, se não seu autor, sua história. Em uma delas, uma das maiores vergonhas da agência, exposta ao mundo para que todos vejam: a única vez em que eles manipularam uma foto que enviaram aos jornais. Representados na imagem estão duas das figuras mais odiadas da história, Hitler e Franco, numa vez que se encontraram em Berlim. Terminada a visita e reveladas as fotos, percebeu-se que não possuíam nenhuma foto boa dos dois juntos, então pegaram uma base de uma foto de Hitler em uma estação de trem e “colaram” junto dele a imagem de Franco retirada de uma outra foto. Apenas muitos anos depois, quando digitalizaram as antigas fotos para arquivo, foi que se notou a manipulação.
As relíquias daqueles que vieram antes de nós nos inspiram e nos lembram a todo o momento da conversa que havíamos tido mais cedo com Rosário Pons Correa, coordenadora do Master em Periodismo da EFE, José Manoel, da área internacional da agência, e Emílio Crespo, diretor de redação, que nos deram uma verdadeira aula sobre o funcionamento de uma agência de notícias e sua relação com os demais veículos, algo muitas vezes deixado de lado nas faculdades.
Emílio diferencia as duas vertentes da seguinte forma: nas agências o que se elabora é a matéria prima, que é a informação bruta, que depois será usada pelos jornais para escreverem suas próprias matérias, darem seus focos, fazerem suas análises e expandirem o tema.
“Nós informamos aqueles que têm a função de informar toda a população e os setores da sociedade que irão tomar decisões baseadas nessas informações, por isso precisamos ser neutros, objetivos e ter certeza que estamos transmitindo os dados corretos, nós não tomamos parte nesse jogo de manipular as notícias”, diz Emílio.
É claro, a objetividade total é impossível, o que é indispensável é ter rigor e fazer bem seu trabalho. A agência possui normas de estilo que devem ser seguidas na matéria para garantir a informação o mais fiel possível, como citar a fonte primária da informação, mostr
ar os dois lados de uma questão, etc.
Quando se trata de uma agência que produz 3 bilhões de notícias, 50 000 vídeos e 600 milhões de fotografias por ano em todo o mundo, é uma responsabilidade imensa, por isso eles possuem diversos sistemas de controle de qualidade e todas as notas produzidas pelos repórteres precisam passar por uma central de edição antes de serem enviadas. Há uma em cada ponto de interesse no mundo e nenhum jornalista tem poder de publicar o material diretamente.
Eles também contaram um pouco do diferencial entre os dois modelos de negócios. Para eles, a crise do jornalismo é uma crise dos veículos, e não das agências. Eles continuam fazendo o que sempre fizeram e tem o dinheiro e infraestrutura para bancar seus projetos, além de suprir novas demandas que surgiram por parte dos jornais por conta da crise, como partilhar correspondentes ou fornecer conteúdos digitais (pacotes de informações prontos com textos e fotos) que os jornais possam apenas replicar em suas páginas, pois não têm mais recursos para filtrar entre todas as informações recebidas das agências e elaborar seus próprios textos.
Podemos respirar tranquilos porque o jornalismo não vai acabar, o que vão mudar são as formas tradicionais de se fazer jornalismo, mas o jornalista sempre vai ser necessário para transformar o excesso de informação em informação de qualidade e confiável. O que precisamos é ficar atentos ao nosso público e nos adaptarmos. “Os leitores mudaram, isso é um fato, precisamos ter isso em mente e saber como chegar a eles”, diz Emílio.
Mas uma das frases que mais marcou partiu de Rosário Pons, enquanto estava nos explicando o funcionamento do curso de formação exclusivo da agência e nos dando dicas sobre como poderíamos fazer para participar sendo est
udantes estrangeiros. Rosário contou que grande parte dos novos jornalistas e correspondentes contratados pela agência para uma de suas muitas filiais no mundo saem desse curso, e para isso é fundamental que os estudantes deem sempre 150% de sua capacidade. Estar sempre disponível para realizar as tarefas do curso, se esforçar, estudar e nunca dizer não são apenas algumas das características que interessam nos alunos.
Ao ouvirmos as histórias de Francisco, José Manoel e Emílio, é fácil perceber que essa cobrança é indispensável, porque essa necessidade de dar sempre 150% de você é uma realidade diária de um correspondente. José Manoel até nos aconselha: “tenham muita consciência da escolha que estão fazendo ao se tornar jornalistas, porque pode ser difícil, podemos chegar até a arriscar nossas vidas dependendo de onde escolhemos trabalhar.”
As palavras, ao invés de desmotivar, parecem só aumentar o brilho no olhar a cada história e a cada peça do passado pela qual passamos. Não sabemos o que o futuro reserva, mas já sabemos de uma coisa: temos certeza do que queremos fazer em nossa vida, e vamos dar 150% para que isso aconteça.
Temos certeza que o dia de amanhã, e cada dia depois, só irá reforçar cada vez mais essa ideia. Amanhã voltamos para contar.
Até mais!
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