Como entender uma nação que viveu o período ditatorial mais sanguinário da América do Sul,…
Madres da Plaza de Mayo perdem influência
O movimento perde a força
LETÍCIA TEIXEIRA
DE BUENOS AIRES
Madres de La Plaza De Mayo é uma organização criada por mães vítimas da Ditadura Militar de Jorge Videla na Argentina, cujo objetivo era encontrar desaparecidos políticos, e, mais tarde, investigar os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos de mais de 30.000 vítimas. Essa associação muito conhecida pelos argentinos sofreu uma cisão, e tem caído em descrédito por conta da polarização política muito presente no país.
A divisão da associação criou dois grupos: as Madres da Plaza de Mayo, grupo maior e mais conhecido, que manteve a sua formação original com a liderança de Hebe de Bonafini e um outro grupo, menor e menos conhecido chamado de Madres da Plaza de Mayo – Línea Fundadora.
A nova organização ganhou o nome de “fundadora” pois foi co-fundada apenas pelas mães históricas. Apesar de todas serem consideradas criadoras do grupo, apenas as primeiras têm os nomes presentes na ata de fundação.
As diferenças de ideias começaram a se pronunciar em 1984, quando Hebe de Bonafini foi acusada por outras integrantes do grupo de apresentar um comportamento autoritário, além de intransigência política.
Os conflitos se intensificaram em 1986 quando as mães foram convidadas a prestar testemunho no CONADEP (Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas). As mulheres não conseguiam entrar em um acordo sobre três pontos: testemunhar ou não no CONADEP, a exumação dos corpos e a aceitação da recompensa monetária que propunha Raúl Afonsín.
Uma parte do grupo concordava com o depoimento para a comissão, aceitava a ajuda monetária e também reconhecia o rótulo de morte das vítimas da ditadura. As madres que deram origem à Linea Fundadora não aceitavam a ajuda e não reconheciam a morte de seus filhos, além de acusarem o outro grupo de apoio político ao presidente Raúl Afonsín. A partir desse momento, ocorreu a cisão que deu origem aos dois grupos.
Apoio político
A chefe das madres originais afirmou para o jornal Clarín, no dia 7 de julho, seu apoio a coalizão Frente para a Vitória, de Cristina Kirchner: “Somos uma organização política que até pouco tempo não tinha nenhum partido político, mas agora temos. A Frente para a Vitória é nossa festa.”
Essas polêmicas em relação à polarização da organização fizeram com que a associação caísse em descrença e levaram a uma perda de ideais do grupo por conta das participações políticas.
Em entrevista ao jornal Clarín, Ester Biscayart de Tello, uma das Madres da Línea Fundadora, comentou que a linha busca autonomia e é independente dos partidos políticos: “A nossa luta está acima dos partidos políticos e não é complacente à dádivas de setor algum”, diz ela. Três meses depois da entrevista, Ester veio a falecer.
Trajeto
Apesar dessas diferenças, as madres continuam caminhando juntas na Plaza de Mayo uma vez por semana, mas divididas em grupos diferentes. A associação original vai à frente simbolizada por roupas e bandeiras na cor azul. Elas montam barracas e vendem livros e souvenires. Já as Fundadoras caminham em silêncio, vestidas de branco. Ultimamente, as incursões à praça têm se tornado cada vez menos frequentes.
Em suas visitas à praça, as Madres nunca ficam paradas, mas caminham em círculos. Esse hábito é uma herança da ditadura. Nessa época, se reunir em lugares públicos era sinônimo de articulação política e, por isso, considerado um crime grave. Por esse motivo, as mulheres sempre caminhavam em círculos, rapidamente.
Denúncia de corrupção
Além da forte participação política, as “Madres” também são marcadas por casos de corrupção. O principal deles é conhecido como Escándalo Schoklender, onde o empresário argentino Sergio Schoklender foi acusado de desviar dinheiro de um projeto da Fundação das Madres, que conta com a assinatura de Hebe Bonafini. O caso repercutiu na campanha dos Kirchners, associados ao empresário e à organização.
Depois de todos esses percalços, a associação recebeu críticas e perdeu o apoio de alguns membros da população:
“As Madres já foram um movimento sério, mas hoje vivem de ajuda financeira que recebem pelo apoio que dão ao governo. Elas se afastaram dos seus ideias”, diz Marco Fernandez, 42 anos, garçom.
Ideais
Hoje, as Madres defendem a luta pelos Direitos Humanos e a investigação da Comissão da Verdade, na busca pelos culpados pelas mortes e torturas ocorridas na ditadura militar. Muitas delas também fazem parte do grupo chamado de Abuelas da Plaza de Mayo, que procuram seus netos desaparecidos na ditadura.
LETÍCIA TEIXEIRA é jornalista e participa do “Jornalismo sem Fronteiras”, uma iniciativa da Link Consultoria que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Buenos Aires para um mergulho de 9 dias no trabalho de correspondente internacional.
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