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Uma a cada duas crianças na Argentina estão abaixo da linha de pobreza

Relatório da Unicef mostra que situação é pior em famílias chefiadas por mulheres jovens com baixo nível de escolaridade.

FÁBIO BISPO

DE BUENOS AIRES

Três vezes por semana, Marcela Barrio, 40, toma um ônibus de Alvellaneda até a Catedral Metropolitana de Buenos Aires para tentar algum dinheiro ou alimento para os três filhos. Nicoli, de apenas quatro anos, acompanha a mãe por não ter com quem ficar. Os outros dois, de 18 e 14 anos, apenas estudam. No ventre, o quarto filho no sexto mês de gestação deve chegar num dos piores momentos para se nascer em uma família pobre na Argentina.

Segundo relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado na última semana, pelo menos 5,6 milhões de crianças e jovens de até 18 anos no país vizinho estão abaixo da linha de pobreza. Isso representa quase metade da população nesta idade (47,7%).

Marcela Barrio sai de Alvellaneda, cidade vizinha a Buenos Aires, para conseguir alimentar os filhos - Fábio Bispo/ND
Marcela Barrio sai de Alvellaneda, cidade vizinha a Buenos Aires, para conseguir alimentar os filhos – Fábio Bispo

“Estou desempregada há quatro anos. Hoje, vivo com a renda que o governo paga por cada um dos meus filhos menores de 18 anos, uns 800 pesos por criança [R$ 152]. Isso dá para no máximo três ou quatro dias, depois não tem mais o que comer”, contou a mulher.

Os dois filhos menores de Marcela integram o grupo mais crítico do relatório da Unicef, onde estão 1,3 milhão de crianças que sofrem com a pobreza extrema. Ou seja, os recursos disponíveis são insuficientes para manter sequer a alimentação.

Sem ter conseguido completar os estudos, abandonando a sétima série aos 22 anos com a primeira gravidez, Marcela insiste que o único futuro dos filhos está na escola. “Os dois mais velhos estão na escola. Hoje, se não tiver o ensino secundário não tem trabalho. Nos últimos anos a situação está pior. Eu conto com ajuda de pessoas que me conhecem, e assim vou vivendo”, emenda.

O relatório “Pobreza monetária na infância e adolescência na Argentina”, elaborado por Sebastian Waisgrais, especialista em monitoramento e avaliação de programas da Unicef, e Jorge Paz, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Desenvolvimento Econômico (Ielde), aponta que a situação das crianças cujos pais não completaram a educação primária é quatro vezes pior que nas famílias onde os pais tiveram acesso à educação.

Os dados do relatório são do Instituto Nacional de Estatísticas e Censo do país, o Indec, que revela ainda que a pobreza na Argentina de forma geral –entre a população de todas as idades– alcança 29,7% dos argentinos. O estudo ainda explica que os índices se elevam entre os menores de 18 anos devido ao tamanho relativo das famílias de baixa renda. O que se agrava com os altos índices de gravidez precoce e evasões escolares.

Atualmente, existe um número grande de partos na Argentina concentrados entre a população de mulheres jovens. Segundo os dados da Unicef, 15% dos partos são de mães adolescentes, podendo chegar a 25% em algumas regiões. Cerca de 3.000 crianças que nascem no país por ano são frutos de relações abusivas.

A gravidez precoce também é um dos principais motivos do abandono dos estudos no país vizinho. Meio milhão de adolescentes está fora da escola na Argentina, e só a metade dos que ingressam conseguem completar o nível médio.

Adolescentes formam grupo mais pobre

A metodologia do estudo leva em consideração a população que vive em famílias cuja renda é insuficiente para comprar uma cesta básica e serviços (pobreza) ou apenas alimentos (pobreza extrema). Os dados analisados são do quarto trimestre de 2016, os mais recentes disponibilizados pelo governo argentino.

“A pobreza pode ser analisada de diferentes maneiras. A análise monetária nos permite ver o impacto dos programas de transferência direta de renda, como a Provisão Universal por Criança [semelhante ao Bolsa Família] e que existem disparidades dentro das populações pobres e indigentes “, explicou explicó Sebastián Waisgrais, da Unicef.

Os estudos ainda apontam que os programas de transferência de renda reduzem em até 30% a pobreza extrema, mas são menos efetivos para reduzir a pobreza de forma geral, alcançando 5,6% de efetividade. Entre as famílias onde os chefes são trabalhadores informais, a efetividade dos programas de renda pode chegar a 50%, aponta o relatório.

No caso das famílias chefeadas exclusivamente por mulheres, os dados são ainda mais alarmantes e chegam a 55,3%. “Estas diferenças, dependendo das características dos chefes de famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza abre uma oportunidade para definir políticas específicas para alguns grupos da população”, emendou Waisgrais.

O estudo da Unicef segmentou a população em três grupos e aponta que os adolescentes entre 13 e 17 anos são os que mais são atingidos pela pobreza (51%), seguido pelo grupo de 5 a 12 anos (48%) e 0 a 4 anos (45%).

FÁBIO BISPO é jornalista e participa do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação e áreas correlatas a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.

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