Como entender uma nação que viveu o período ditatorial mais sanguinário da América do Sul,…
Quarenta e oito
Senado aprova Proposta de Emenda à Constituição que limita investimentos em saúde, segurança e educação durante 20 anos. Em 1968, na mesma data, o AI-5 entrava em vigor.
PAMELA MACHADO
DE BRASÍLIA
Treze de dezembro de 2016, Brasília, dia da votação em 2º turno da PEC 55.
No plenário do Senado, 69 senadores definiam o futuro dos investimentos públicos. No centro de Brasília, mais de duas mil pessoas protestavam contra a aprovação da chamada “PEC do Fim do Mundo”. Diferente do último dia 29, quando os manifestantes conseguiram chegar até o jardim do Congresso Nacional, desta vez o policiamento estava mais a frente, ainda na Catedral Metropolitana, local combinado para a concentração dos civis. Quando o ato começaria a andar, a cavalaria da Polícia Militar avançou junto com outro cordão da PM que atirava bombas de efeito moral e spray de pimenta. Grupos que compunham o cordão de frente reagiram jogando pedras em direção aos policiais, que não recuavam. Dali por diante, Brasília mais uma vez se tornou praça de guerra. Cercados, os militantes encontraram brecha pelo Setor Bancário. Para retardar a chegada dos militares, sacos de lixo viraram barricada no meio da rua. Um ônibus também foi queimado.
O meu lugar
Estive o tempo todo do lado que luta mesmo sabendo que pode apanhar, que não recua por medo de ser chamado de vagabundo e que acredita na mudança coletiva. Por que estou dizendo isso? Porque imparcialidade é mito e de nada adianta reclamar dos grandes veículos e fazer igual. É preciso deixar claro para o leitor que este é sim um texto com lado. Toda escolha tem lado e o meu é o esquerdo.
O que vi foi um ato com erros táticos- não que devêssemos estar preparados para uma guerrilha urbana-, mas desde a chegada, sabíamos que estávamos cercados e que muitos queriam seguir para o Congresso. Mas como seguiríamos? Conseguiríamos furar o bloqueio militar armado até os dentes? Não andei nem um metro até sentir o primeiro ardor. Me manti firme até que vi a primeira bomba ser arremessada. Enquanto via o rastro se aproximando, me lembrava do dia 29 de novembro, quando inalei muito gás e senti minha garganta e meus olhos fecharem.
Fiquei nervosa e por um segundo, pensei em correr, mas assim como na última terça-feira de novembro, desta vez também tinha alguém para me orientar quando o terror me tirava a razão. Resistimos no Centro o quanto pudemos. Sem mais perspectivas de seguirmos o ato e por segurança, desviamos pelo Setor Bancário. Enquanto a barricada tomava forma, eu observava a subida sem saber como chegaria lá em cima. Desisti e estava seguindo de volta para a Rodoviária. Em tempos onde manifestar é crime e leite de magnésio é arma letal, não sabia o que poderia acontecer comigo caso desse de cara com o Choque. Gritos interferem na minha tentativa de raciocinar. Opa, é meu nome. Olho para a frente e vejo dois amigos que voltaram até o meio da rampa para me ajudarem a subir. Já no alto, vi a Polícia chegando. Cassetetes e sprays em punhos. Helicópteros sobrevoando baixo. Mais um déjà vu: em novembro, estes helicópteros nos perseguiam para atirarem bombas. Corro para o outro lado.
Depois de passar pelo Setor Hoteleiro Sul, não sabia mais onde estava e nem para onde estava indo. Ouvi alguém dizer que iria invadir a Globo. Hum, acho que não quero fazer parte disso, hora de juntar os meus e convencê-los de que o melhor é irmos para o ponto de encontro. Troca de roupa, limpa o rosto, pega o primeiro ônibus não-lotado. No ponto de encontro, menos da metade já estava lá. cadê os outros? Alguns foram buscar. Meia-hora já se passou e nada deles. Estou preocupada, mas não me deixam ir ver o que aconteceu.
Recebemos a notícia de que a Torre de TV, onde os nossos estavam, foi cercada e ninguém conseguia sair de lá. Outra notícia chegou: “tem umas 80 pessoas presas”. Começamos ler os nomes em busca de algum ruralino. Nenhum nosso. A noite cai e certa de que não tenho como fazer algo, resolvo que o melhor é voltar para o hotel. Assim como na manifestação, minha chefe e eu seguimos juntas. Não estamos no mesmo hotel, mas seguimos juntas. Ela me deixa na porta do meu e segue para o dela. Subo, deixo a água levar embora todo o spray afixado em meu corpo e lavo meu rosto coberto de leite de magnésio. Subo para a “redação” do Jornalismo & Poder, como e escrevo sobre tudo o que vivi neste 13 de dezembro de 2016, aniversário de quarenta e oito anos do Ato Institucional nº 5.
PAMELA MACHADO é jornalista e participa do programa “Jornalismo & Poder”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Brasília para uma imersão de uma semana na cobertura política.
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