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Diário de um manifestante

LUIZA CALLADO, DE BRASÍLIA

Dia 13 de dezembro de 2016, aniversário de 48 anos do Ato Institucional (AI-5) – que dia irônico! – e dia de manifestação contra a PEC 55/141, que foi aprovada em votação no Senado Federal. Dia, esse, que está marcado para sempre na minha vida.

14h00 – Hora de me arrumar para cobrir a manifestação. Pensei “vou deixar a mochila no hotel, é mais fácil para correr, caso eu precise”. Peguei a câmera, Ipod para usar o gravador, celular e fim, estou pronta. Ou não. Minha amiga (Pamela Machado) me lembra, não esquece seu documento, nunca se sabe o que vai acontecer, a outra amiga (Thais Nascimento) me fala “esqueci minha carteirinha do plano de saúde”, eu pensei “ufa! A minha está no celular”. Vamos? Vamos.

14h30 – Saímos do hotel, passamos por dentro do Shopping Conjunto Nacional e a primeira parada foi na farmácia para comprar leite de magnésio (ajuda a não irritar a pele caso haja bomba de gás lacrimogêneo), então seguimos para a concentração da manifestação.

15h09 – Chegamos! Tinha estudantes, professores, técnicos de universidades e servidores de vários cantos do Brasil, todos por uma causa. Estava lindo, estava contagiante. Até que encontrei um grupo de estudantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde fiz minha graduação, arrepiei, me senti em casa, lembrei que fui estudante e que essa luta também é minha, é de todos.

16h06 – Enquanto os demais manifestantes chegavam e o cordão policial ia se formando, fiquei andando entre o local, fotografando, filmando, fazendo entrevistas, sentindo de perto a indignação. Ouvi pessoas que vieram de Londrina – PR, Salvador – BA, Pelotas – RS, Goiânia – GO, de Minas Gerais e Brasília – DF.
Minha cabeça estava girando, meus pensamentos estavam a todo vapor, já não sabia mais se era manifestante ou jornalista, ou talvez os dois. Por que não?!
Uns minutos antes de tudo começar, a Pamela passou por mim e pela Thais e nos ofereceu leite de magnésio. Recusamos e seguimos para lados diferentes.

17h00 – Um tumulto surge ao lado da Catedral, saio correndo para ver. Um grupo de manifestantes tentava acessar a rua pela lateral, mas um motorista que passava por ali avisou aos policias, outro cerco se formou e eles se juntaram aos demais.

17h05 – Passei pelo cordão policial, estava sem mochila, então não me revistaram. Fiquei do lado de um policial, até que ele me olhou e disse: “não fica do meu lado senão você vai levar pedrada”. Saí dali.
Cresci ouvindo que o papel da polícia era me proteger, zelar pela população. É aquela coisa de ação e reação, se está em perigo vá para perto dos policiais. Mas hoje não foi assim, o conselho era não fique do lado de um policial, você pode ser atingida no meio da confusão e ele não vai parar para te atender. Foi o momento em que tive realmente noção de onde estava. Até poderia estar sozinha, eu cuidando de mim mesmo, sem amparo. Meu sentimento? A adrenalina tomou conta, fiquei atrás do cordão policial. Conseguir uma foto/vídeo do início da manifestação era o mais importante pra mim, confesso que esqueci sim que algo poderia acontecer.

17h15 – C O M E Ç O U !
O povo foi se aproximando, cantando, unido. Chegaram até a barreira policial, os braços se entrelaçaram, formaram o cordão de segurança e não pararam, nenhum momento de cantar o grito de guerra. Eles tentavam passar, continuar andando pela rua – que, lembramos, é pública – para seguir até o Congresso Nacional, mas o bloqueio policial estava muito bem montado.
BUM! O barulho dos tiros de bala de borracha, da bomba de gás lacrimogêneo me assustaram, saí correndo, não fui tão longe assim. Parei de correr e voltei para mais perto. Precisava registrar, queria provar o que estava vendo e sentindo através de fotos. Foi correria para todo lado, gritos, todos os presentes com celulares nas mãos para filmar.
O olho ardia, estava vermelho, coçando, difícil de enxergar. A respiração estava difícil, o nariz ardia tanto, mas tanto… a tosse veio. Ergui minha camisa até o rosto com a esperança de que podia melhorar, mas se ela está seca não ajuda muito. Coloquei o dedo na boca, saliva era a única coisa úmida, passei um pouco na camisa e cobri o nariz de novo. Não tínhamos para onde correr, todo lugar tinha bomba de efeito moral.

17h20 – O medo chegou e a adrenalina já estava espalhada por todo o meu corpo. Enquanto vivenciava tudo, olhei para o lado e vi a cavalaria a postos, só consegui dizer: CARAMBA! Os policiais gritaram “FOGO” e partiram para cima de todo mundo, sem olhar quem estava a sua frente.
Lembra dos filmes de guerra? A cena do filme Troia veio à minha cabeça, só faltou a espada para ser a recriação da cena. Falei: “que horror!”. E então, em questão de segundos ou minutos, não sei dizer, perdi a noção do tempo, as pessoas foram se dispersando.
A Thaís entrou em desespero e gritou “Luiza, vou embora, não consigo ficar aqui”. O olho dela estava igual ao meu, as sensações também. Lembramos que estávamos sem carteira, mas queríamos água, então ela achou dois reais no bolso. Perguntei ao vendedor ambulante quanto custava a água, ele disse R$3,00, só tínhamos dois… sorte a nossa que ele deu um descontinho.
Levei ela até o bloco C da Esplanada dos Ministérios para encontrar uma amiga dela e voltei sozinha. “Puts! Estou sozinha de novo no meio de tudo”.

17h22 – Enquanto andava, com o olho ardendo e a respiração difícil, avistei uma viatura da polícia e parei para perguntar o melhor caminho para seguir e encontrar meu grupo:
– Moço, onde é o melhor caminho para sair daqui? Por ali (em direção ao Museu Nacional) está tranquilo?
– Está sim. Você só vai respirar um pouco de gás. Nossa! Seu olho já está vermelho, mas apesar de que ele fica mais bonito assim né? Destaca a cor verde.
– É né, destaca, fica mais bonito. – Ri ironicamente. Eles riram, deram partida no carro e saíram. Eu também continuei andando e para encontrar mais duas amigas (Helena Leirner e Juliana Lima), que vinham do hotel e traziam meus pertences.
Avistei minha mochila colorida, então me dei conta de que estava perto delas. Saí correndo e acenei, elas vieram correndo até mim, entregaram minha mochila e me ofereceram a jaqueta, mas recusei, se indignaram com a vermelhidão do meu olho e fomos para a rua fotografar os rastros de uma manifestação que quase não começou.

17h30 – Continuei a registrar o que estava sob os meus olhos. Chinelos virados, as bombas já explodidas no chão, cartazes deixados para trás e um monte de saco de lixo pegando fogo.
De repente, atrás da Biblioteca Nacional uma fumaça preta subiu. Depois descobri que alguns manifestantes colocaram fogo em um ônibus.
Queríamos uma entrevista com os policiais, afinal o olhar deles também é importante para nós jornalistas. Uma raiva subiu dentro de mim quando o ouvi dizer que “sorte a nossa não estar no meio daquele bando de vagabundo, que era tudo baderneiro”. Mudamos de assunto e perguntamos como ir embora daquele local.

18h11 – Recebemos uma mensagem, pelo whatsapp, que dizia “voltem!!!!”. Encontramos mais um amigo (Fabio Bispo) e saímos sentido ao hotel, nosso ponto de encontro.
A manifestação continuava, os brasileiros não desistem tão fácil assim, eles se concentraram no viaduto, acima do terminal de ônibus, e os policiais embaixo, bloqueando o acesso ao Congresso Nacional.

19h00 – Chegamos ao hotel. “Ufa, que dia!”. Liguei para o meu namorado, minha mãe, meu pai e meu irmão para avisar que estava bem, que nada tinha acontecido comigo e que tinha vivido, até agora, a melhor experiência da minha vida como jornalista.
O coração demorou a acalmar, a adrenalina não queria passar e a inquietação muito menos. Não lembrei de comer, ir ao banheiro e nem beber água. Via e revia as fotos, os vídeos, me arrepiava e me emocionava.

21h00 – Finalmente consegui me acalmar. Eu e o grupo todo já estávamos de volta à redação e terminamos a noite com uma pizza. Afinal, tudo acaba em pizza, não é?!
A Claudia Rossi me perguntou e “o que você sentiu?”. Respondi: “eu amei. Será que sou louca por ter gostado de estar lá no meio?”. Ela riu e falou “dá para ver seus olhos brilhando”, caímos na risada.

22h41 – Cheguei em casa feliz e com um amor muito grande pela minha profissão.

Fotos: https://aopedaletraweb.wordpress.com/2016/12/13/manifestacao-contra-a-pec-55/

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