Como entender uma nação que viveu o período ditatorial mais sanguinário da América do Sul,…
Uma tolerância frágil
O que pensam os espanhóis sobre imigração
TICIANA FERNANDES
DE MADRI
À primeira vista de quem visita suas maiores cidades, a Espanha parece ser um país diversificado em que várias culturas convivem bem juntas. Em um pequeno trajeto pelas ruas da capital Madrid, é possível esbarrar-se em pessoas das nacionalidades mais distintas. E não são só os visitantes que têm essa percepção: os espanhóis também acreditam haver muitos povos variados espalhados pelas calles.
A pesquisa Perceptions are not reality: Things the world gets wrong (Percepções não são a realidade: Coisas que o mundo entende errado, numa tradução livre) da empresa britânica Ipsos Mori revelou que a visão que o povo espanhol tem das imigrações para seu país é um tanto equivocada – eles acreditam que cerca de 24% da população do país seja de imigrantes. No entanto, de acordo com o INE (Instituto Nacional de Estatística), a cifra dos estrangeiros que vivem no país não passa dos 10%, cerca de 5 milhões de pessoas.
Ainda assim, a Espanha pode ser reconhecida pelo tratamento que dispensa aos imigrantes. Em Madrid, maior centro urbano do país – onde aproximadamente 800 mil pessoas são de outras nacionalidades -, existem, desde 2005, as Oficinas Municipais de Informação e Orientação para a Integração da População Imigrante, centros de acolhimento que oferecem informações sobre a vida na cidade, classes de espanhóis para estrangeiros e até cursos de preparação para a obtenção de nacionalidade espanhola.
Nas ruas, o povo espanhol também surpreende pela sua tolerância, ao contrário de outros países europeus nos quais casos de discriminação constantemente chegam à mídia. Contudo, com uma abordagem um pouco menos superficial, percebe-se que essa tolerância é frágil e repleta de condições para existir. O aspecto cultural é um ponto importante para Javier Molinera (28): “Eu não me importo que venha gente de qualquer país para cá, eu aceito, acho que eles contribuem. O que acontece é que as vezes não respeitam nossa cultura. Eu respeito a deles, mas eles têm que se adaptar à cultura espanhola, eles vieram para cá e tem que se moldar ao nosso modo de viver”.
Outro tópico frequentemente comentado é o trabalho. Macarena Serrano (55) acredita que: “Muita gente vem à Espanha porque está bem considerada dentro da Europa e porque a vida é mais barata. Também se protege muito o estrangeiro, temos colégios gratuitos, saúde e bem-estar social […] A imigração qualificada não traz problema, imigração boa, aquele que vem trabalhar e ter filhos. Mas também tem a imigração ruim, e dessa a gente tem medo. Tem gente que vem para cá só para roubar por exemplo”.
Essa preocupação também é compartilhada por Izidro González (42): “Aqui tem emprego para todos os que querem trabalhar. O problema é que muita gente chega aqui e não quer fazer nada, querem ficar dependendo da ajuda do governo. E quem paga pelos programas de assistência social dos imigrantes são os espanhóis”.
Apesar das várias reservas que apresentam com os imigrantes, não faz muito tempo que os próprios espanhóis estavam nessa mesma situação. De acordo com o Instituto Espanhol de Imigração, entre os anos de 1960 e 1975, mais de 2 milhões de pessoas saíram do país em direção à América do Sul e também a países como França, Alemanha e Suíça em busca de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida.
Em um mundo em que mais de 240 milhões de pessoas vivem na condição de imigrantes (dados do relatório de 2015 da ONU), fica cada vez mais difícil controlar os fluxos migratórios. Nunca tanta gente residiu fora de seus países de origem e, segundo o Departamento da ONU de Assuntos Econômicos e Sociais (DESA), a tendência é que o número continue a aumentar.
Assim, o desafio de saber conviver com os que chegam deve estar cada vez mais presente. Felizes aqueles que aprendem rápido.
Ticiana Fernandes é jornalista e participa do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Madri para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.
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