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Educação e Cultura: uma não pode ser pensada sem a outra.

Enquanto, no Brasil, o setor de educação sofre com cortes e mudanças drásticas, na Espanha, a valorização da cultura na educação das crianças é quase uma tradição.

OLIVIA STEED E RAFAELLA BARBOSA 

DE MADRI

"Enrique Toledo e alunos do 6o período do Colégio San Alfonso, em visita ao Museu del Prado, em Madri." CRÉDITO: Rafaella Barbosa
“Enrique Toledo e alunos do 6o período do Colégio San Alfonso, em visita ao Museu del Prado, em Madri.”
Crétido: Rafaella Barbosa

 

“Quanto mais as crianças conhecem, melhores pessoas serão” afirmou o professor Enrique Toledo, durante um passeio com os alunos do 6o período do colégio San Alfonso, no Museo del Prado. A valorização da cultura na educação é uma discussão antiga, tema que já deu origem à uma infinidade de estudos e debates entre professores dos mais diversos países do mundo, que buscam relacioná-la à melhor formação das crianças enquanto indivíduos. Enrique é um exemplo que traduz o pensamento de muitos professores, que mesmo de forma independente, procuram levar seus alunos para verdadeiras aulas fora da sala de aula.

Na Europa, a prática é muito comum, onde as escolas possuem grades curriculares que valorizam a arte e a cultura, assim como os museus e os centros culturais movimentam seus setores pedagógicos para a criação de diversas atividades. Por outro lado, no Brasil, professores e alunos têm lutado contra a desvalorização cultural na educação, onde cada vez menos possuem matérias voltadas para o desenvolvimento da criatividade e diversidade, assim como a falta de estímulo por parte do governo em projetos e visitas com essa finalidade, principalmente, nas escolas públicas do país.

O Brasil vive hoje uma intensa discussão acerca do futuro de sua educação. O governo estuda adotar mudanças na grade curricular do ensino médio, com cortes de disciplinas nas áreas de artes e ciências humanas, além da redução de verbas na educação, onde foi proposto pela PEC 55 um congelamento do orçamento destinado ao setor por 20 anos.

A Medida Provisória que trata da reforma, (MP) 746/2016, será a primeira a ser analisada pelo Plenário do Senado no retorno de suas atividades legislativas, a partir do dia 2 de fevereiro. Entre as mudanças propostas estão: a adoção do ensino médio em tempo integral – que amplia a carga horária mínima anual, hoje fixada em 800 horas, para 1400 horas; e a redução do conteúdo obrigatório, entre eles as disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia.

As mudanças dividiram muitas opiniões, ao passo que alunos e professores passaram a debater amplamente as mudanças propostas pelo governo. “São disciplinas que fazem parte do desenvolvimento dos alunos como pessoa, desenvolvimento de suas habilidades, expressões e pensamento crítico”, afirma Rodrigo Perez, professor de história e sociologia em diversos colégios da capital paulista. Rodrigo, que já participou de diversos debates sobre o tema, integra o movimento contra a PEC 55 e a reforma do ensino médio.

“Não é apenas uma questão de segmentar o ensino, para que ele se torne direcionado no ensino médio. Se trata de, para poder implantar esse formato, reforçar matérias no ensino fundamental que desenvolvam tais habilidades, estimular o contato dos jovens com a cultura, com as artes e com diversas outras disciplinas que são fundamentais”, complementou o professor brasileiro, que ainda citou a importância dessas disciplinas como fonte para o autoconhecimento e para estimular o contato com as diferenças.

Em sua entrevista, Rodrigo Perez ainda ressaltou sua experiência de um ano vivendo na Europa, “passei um ano na Espanha para fazer meu mestrado em Educação e Cultura, e nesse meio tempo tive contato com diversos professores do país e sempre achei incrível a grade curricular e o empenho que eles tinham em levar seus alunos para o contato com o mundo fora das salas de aula”.

A importância da cultura na educação espanhola

Ao mesmo tempo que o Brasil sofre com a intensa desvalorização cultural nos ensinos infantil e médio, na Espanha, o Ministerio da Educación, Cultura y Desporte, institui como obrigatórias uma série de disciplinas que visam a valorização da mesma, considerando esse contato “indispensável para formação e aprendizagem de seus jovens”. A grade de disciplinas obrigatórias até os 12 anos de idade, inclui:  estudos sociais, educação artística, educação física, conhecimento do meio natural, social e cultural, língua espanhola, língua castelhana, língua estrangeira, literatura e matemáticas. Todas elas, consideradas pelo Ministério como indispensáveis para a formação do indivíduo.

Segundo o Instituto Don Quijote, especialista em língua espanhola desde 1986, o objetivo da grade curricular é dar aos estudantes espanhóis “uma educação básica e sólida em cultura”, para que depois, dos 16 aos 18 anos e já com uma estrutura básica bem firmada, possam se dirigir às áreas de interesse que darão continuidade no ensino superior. Ainda obrigatórias nessa fase estão, filosofia e educação cívica, ciência contemporânea, história da filosofia e história da Espanha.

A Espanha, rica em atividades culturais, conta com dezenas de museus só em sua capital – sendo 30 deles gratuitos. Além de outras tantas atividades diversas que passam pela literatura, arte, desenho, cinema, teatro, tecnologia, gastronomia e ciências exatas. Como complemento da formação escolar, muitas escolas procuram as atividades e passeios nos museus e exposições, que contam com a realização de atividades pedagógicas para os diferentes públicos.

Com o intuito de despertar a curiosidade, conhecer as tradições do país, ou ter contato com a história da Espanha e global, os principais museus da capital como Reina Sofía, Museo del Prado, Museu da Biblioteca Nacional e outros, contam com um setor pedagógico próprio para fazer essa integração. Quase diariamente, são recebidos grupos de estudantes que interagem com suas instalações e recebem uma verdadeira aula fora das classes. A programação do museu Reina Sofia, tem no momento, uma programação com 11 oficinas e projetos educativos, que atendem desde a educação infantil até o colegial.

Responsável pela organização de atividades da exposição Peças de LEGO, que acontece no Centro Cultural Fernán Gómez, Mônica Cristina conta que em muitos casos, quando as instituições culturais não possuem um setor pedagógico, os próprios professores tomam a iniciativa de levar seus alunos aos mais diversos lugares para ministrar aulas nesses espaços. A exposição de entretenimento inspirada nos personagens da DC Comics é um trabalho de Nathan Sawaya, e já recebeu mais de 100 mil visitantes, em sua maioria jovens e crianças.

A valorização da cultura na formação educacional é tida como prioridade inclusive pelos pais, que também são assíduos frequentadores das atividades pedagógicas aos finais de semana, às quais consideram de extrema importância para o desenvolvimento de seus filhos. “O contato com a cultura é importante para o desenvolvimento das crianças, não só pelo conhecimento, mas pelo contato com o diferente, é sempre enriquecedor”, disse José Álvaro Serrano, que acompanhava seus dois filhos durante uma atividade na Biblioteca Nacional.

"Crianças participam de uma atividade na Biblioteca Nacional, cujo objetivo é conhecer alguns dos personagens literários de Miguel de Cervantes." Crédito: Rafaella Barbosa
“Crianças participam de uma atividade na Biblioteca Nacional, cujo objetivo é conhecer alguns dos personagens literários de Miguel de Cervantes.”
Crédito: Rafaella Barbosa
 "Exposição '16 persinajes que maravillan y Miguel de Cervantes', no Museu da Biblioteca Nacional, em Madri. Crédito Olivia Steed
“Exposição ’16 persinajes que maravillan y Miguel de Cervantes’, no Museu da Biblioteca Nacional, em Madri.
Crédito Olivia Steed

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 2007, o Conselho da União Europeia reescreveu sua agenda para questões culturais, onde reconhece o valor da educação artística no desenvolvimento da criatividade. E realçou também a importância de competências como a sensibilidade cultural e a criatividade na educação.

A cultura é parte integrante da sociedade, não existe quem não pertença ou quem não precise dela para compreender o mundo e suas diferenças. Seja num país com culturas tão ricas e tradicionais quanto o Brasil, ou em culturas milenares como na Europa, Ásia e África, estimular seu contato é fundamental. “A todo tempo somos criadores e propagadores de cultura, e compreender isso é muito importante. A cultura tem um papel mais do que intelectual, ela tem um papel social”, afirmou Enrique Toledo.

“Estimular o contato com ela, não somente com a sua própria, mas com as diversas culturas, é uma maneira de estimular também o respeito à diferença, a noção de que existe um mundo plural”, completou o professor, que afirmou notar uma grande diferença de aprendizado e de evolução de seus alunos. Por todos esses motivos, torna-se indispensável um currículo escolar que valorize esse contato. Como diz Bourdieu, “a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e sua justificação última […] uma não pode ser pensada sem a outra”.

Olivia Steed  Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em Comunicação Social – Jornalismo, ingressante do Master em Jornalismo Internacional e Direitos Humanos na França e participa da sexta edição do programa Jornalismo Sem Fronteiras.

Rafaella Barbosa  Estudante de Jornalismo da PUC-RIO, atualmente, cursa o sétimo período na Universidade Carlos III, em Madri e participa da sexta edição do programa Jornalismo Sem Fronteiras.

 

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