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Comida de três séculos
A imersão na experiência de jantar no Botín transporta o comensal para outros mundos
ISABELA MORENO
DE MADRI
Entrar no Restaurante Botín é ser transportado para uma época distante e pouco vista em outros lugares. Ao abrir a porta do estabelecimento, um ar quente toma conta do visitante, junto com o aroma de comida cozida lentamente, daqueles que se sente em um almoço de família na casa dos avós. Na Madrid do século XVI, a região que rodeia a Praça Maior era repleta de pequenas tabernas que também ofereciam aos clientes o serviço de pousada. Pela região, passavam mercadores e artesãos que iam à cidade vender seus produtos e fazer negócios, o que estimulava a existência de estabelecimentos do mesmo tipo.
O Restaurante Botín foi fundado quase trezentos anos atrás, em 1725, como um local de alimentação e hospedagem. Atualmente, detém o posto de restaurante mais antigo do mundo de acordo com o Guinness World Records. O prédio está localizado na Rua Cuchilleros, assim nomeada pela existência de muitos fabricantes de colheres na área. Documentos indicam que o local já funcionava como uma taberna ao final do século XVI, reformada em meados de 1590 para a aparência que conhecemos hoje e se transformando em apenas restaurante em 1860, quando os quartos foram transformados em apartamentos.
Uma estreita escada de madeira leva para a antiga área de adega, hoje ocupada com mesas. É impossível não pensar em Edgar Allan Poe com o teto baixo e todo coberto de tijolos à vista e baixa luminosidade, impressão que se reforça quando você desce para a adega de fato, fria e cheia de garrafas antigas e mofadas. A sensação de poder ser enterrado na parede só se esvai quando chega a cesta de pães, mas o encantamento permanece.
A escolha do cardápio pode ser uma aventura. Bem estruturado, tem elementos chave da gastronomia espanhola, com jamon cru, morcilla, as famosas croquetas e o conchinillo assado (leitão assado em temperatura constante, por várias horas seguidas), carro chefe da casa.
Para alegrar a noite, um grupo de estudantes de música se apresenta, cantando animadamente enquanto usam roupas típicas de toureiro, transportando os presentes para as histórias dos grandes profissionais da tourada. Outra atração do restaurante é o forno, também feito de tijolos e original de sua inauguração.
Na hora da saída, o gerente cuidadosamente avisa para que se vistam os casacos e tomem cuidado com o frio. O aviso, no entanto, deveria ser que a realidade está ali do outro lado da porta, ao contrário dos personagens de Poe.
Isabela Moreno é jornalista e participa do programa “Jornalismo Sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Madri para uma imersão de uma semana na cobertura como correspondentes internacionais.
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