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Uma escolha não (tão) glamurosa

A realidade da profissão de um correspondente internacional

TAÍSA LUNA

DE BUENOS AIRES

 

A escolha pelo futuro profissional pode ser difícil para muitas pessoas. Enquanto alguns estudantes se identificam com música, matemática ou biologia, outros fazem da comunicação o seu futuro. Na área de comunicação há muitos caminhos possíveis a seguir, jornalismo é um deles. O jornalista é responsável por buscar, investigar, redigir, informar e transmitir notícias através de meios de comunicação, como jornais, revistas, internet, televisão, entre outros. O jornalista participa ativamente de todos os processos de produção das notícias, desde a investigação dos acontecimentos, apuração dos fatos, organização das matérias e fechamento na redação. Os profissionais assumem cargos de repórter, redator, assessor de imprensa, editor ou chefe de reportagem.

A postura ética, senso de responsabilidade e compromisso com a verdade é extremamente importante em um profissional de qualquer área. Mas, ainda assim, o jornalista deve apurar os fatos com precisão e buscar fontes confiáveis para a transmissão de informações corretas ao público.

O jornalista da atualidade deve dominar outros idiomas, utilizar ferramentas de edição, ter facilidade para entrevistar, fotografar e olhar por diferentes ângulos, sem contar com a importância do senso crítico.

Dentro da área do jornalismo, há também os correspondentes internacionais. São profissionais preparados para lidar com as adversidades que a ocupação impõe, com diversas habilidades. Os idiomas fluentes é o mais básico dos requisitos. O repórter que trabalha em seu próprio país, normalmente, é especializado em uma editoria, como política, economia, cultura, entre outras. O correspondente internacional, diferentemente, responsabiliza-se pela cobertura de uma gama de assuntos variados. Além disso, a função de um correspondente internacional é a vertente da profissão que exige mais gastos e mais trabalhos dos editores e dos próprios profissionais da área.

Correspondentes internacionais palestrando sobre a carreira na faculdade ESPM
Correspondentes internacionais palestrando sobre a carreira na faculdade ESPM

Em relação a parte histórica do papel dos correspondentes, as primeiras pessoas a fazer esse tipo de trabalho apareceram entre os séculos XVll e XVlll, período no qual o jornalismo ainda tinha baixo nível de profissionalização. Eram burgueses e comerciantes que mandavam relatos pessoais para que fossem publicados por jornais que pertenciam a eles mesmo, familiares ou amigos, segundo o site da faculdade PucMinas.

Os profissionais dessa área devem ter conhecimento profundo da realidade local e um talento irrestrito elevadíssimo para identificar os fatos mais relevantes no país onde trabalha e ao mesmo tempo, interessantes para seu país de origem.

Uma pesquisa realizada em 2011 pela Fundação Cásper Líbero com jovens jornalistas e estudantes da área, apontou que cerca de 62% tinham como desejo máximo na profissão ser correspondente internacional. Os motivos apontados por eles foram os bons salários e a experiência de morar em outro país, com uma cultura totalmente diferente da nossa. É claro que ser correspondente é uma grande meta, mas trabalhar como um está bem longe do glamour que o cerca.

A maioria destes profissionais acaba atuando em função dupla. Geralmente, há apenas um produtor por trás, então os jornalistas acabam se ajudando e também atuam como produtores para a melhor apuração da pauta em questão. Alguns jornalistas se desdobram e atuam até em função tripla: produzindo suas próprias reportagens, atuando como repórteres e também filmando suas matérias. Eles enviam o conteúdo para o Brasil pela internet, onde a reportagem é editada (senão eles que acabam por editar).

 

Além das fronteiras do glamour

Carlos Eduardo Lins da Silva, autor do livro Correspondente Internacional e antigo correspondente nos EUA da Folha de S.Paulo, é profundo conhecedor das relações internacionais. Em seu livro, ele mistura a literatura teórica com sua experiência, passando por fatos históricos, as multitarefas responsáveis por um profissional da área, influências no país de origem, a hierarquização na tribo dos correspondentes, a amizade e competição. O livro desmonta o que resta da imagem glamurosa e romântica da figura de um correspondente, deixando claro que esse profissional precisa ser apto a escrever sobre futebol à reunião de presidentes de bancos centrais, numa rotina conturbada de fusos horários com uma frequência massacrante.

Buscar um apartamento com aluguel barato, banco para abrir uma conta, transporte, operadora de celular e Seguro Social são algumas das preocupações que um correspondente internacional precisa enfrentar para poder desenvolver o seu trabalho.

Ninguém disse que a vida de um correspondente internacional era fácil, disse?

Carlos Eduardo Lins da Silva, autor do livro Correspondente Internacional e ex correspondente nos EUA.
Carlos Eduardo Lins da Silva, autor do livro Correspondente Internacional e ex correspondente nos EUA.

Os desafios são comuns e constantes na vida dos profissionais, o fato é que ser correspondente é a prova máxima do jornalismo: a estrutura não é das melhores e o trabalho é, praticamente, quadruplicado. Como em toda profissão, existem os bônus, mas os ônus precisam ser levados em consideração.

Ainda assim, se trata de um dos postos mais almejados no jornalismo e resultado de muito trabalho. A rede de contatos precisa ser realmente globalizada e situações de perigo são triviais nas coberturas de conflitos internacionais.

Quando um correspondente é enviado por uma emissora, as reportagens precisam ser feitas sob o olhar do brasileiro, ou no caso, dos cidadãos do país de origem do profissional. “Um correspondente capta imagens e entrevistas que de alguma maneira facilitam a compreensão do público no Brasil”, diz Marcelo Torres, correspondente da emissora SBT em Londres.

Marcelo Torres
Marcelo Torres, correspondente da rede SBT em Londres

Alias, é do povo brasileiro que os correspondentes sentem mais falta na hora de realizar suas matérias. Rodrigo Alvarez, correspondente da Tv Globo nos EUA e autor do livro No País de Obama, diz que sentiu uma grande diferença entre os locais. “O americano é muito pragmático e sempre quer saber o que ele vai ganhar fazendo aquela matéria, o brasileiro é mais disposto a colaborar”, explica ele.

Mesmo assim, com todos os prós e contras de se trabalhar no exterior, Alvarez afirma que não tem o que reclamar, “é um trabalho muito rico”, defende.

Rodrigo Alvarez, autor do livro -No País de Obama- e correspondente da Tv Globo no EUA
Rodrigo Alvarez, autor do livro “No País de Obama” e correspondente da Tv Globo nos EUA

Segundo a matéria realizada pelo site da UOL, você nunca vai conquistar a tal experiência necessária para um correspondente internacional até, de fato, virar um.

Os correspondentes evoluíram para jornalistas praticamente sem vínculos fixos com as empresas jornalísticas. Se tornou um profissional que sabe fazer tudo. Ou quase tudo, sozinho.

O jornalista Gabriel Toueg conta que uma grande dica é manter contatos fora do mundo do jornalismo. “É bom ter amigos jornalistas, mas na maior parte das vezes ele não será sua fonte”, além disso, ele comenta que muitas vezes durante a conversa com pessoas desconhecidas você pode encontrar uma bela história.

Os relatos de agências internacionais nunca vão substituir os correspondentes, para identificar melhor o que interessa e agrada ao público nacional. Sem glória ou charme, mesmo assim o número de correspondentes internacionais tende a aumentar, na medida em que a sociedade demanda mais informações externas.

Alejandro Rebossio, atual correspondente da Deutsche Welle, cronista e colaborador do jornal La Nación, na Argentina, conta que quando era criança tinha dúvidas entre política ou jornalismo, mas aos 17 anos ingressou na faculdade de jornalismo e nem sonhava que um dia seria correspondente do jornal mais importante em idioma espanhol internacional, La Nación.

Após um ano, Alejandro realizou o Master de Jornalismo do El País, na Espanha, vivendo lá durante doze meses, época em que teve a sua primeira experiência como correspondente internacional e desde então, segue a vida nesse ritmo agitado e viciante.

Alejandro Rebossio, correspondente internacional em Buenos Aires
Alejandro Rebossio, correspondente internacional em Buenos Aires

Conclui-se então, que a profissão de um correspondente internacional é cercada por desafios diversos, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. Ainda que se trate de uma vida vista pelos outros com glamour, chegar em um país desconhecido representa um recomeço. Não só na carreira, mas também um começo na vida pessoal.

O leitor da plataforma de notícias UOL e jornalista Gabriel Márquez define a profissão em poucas e certeiras palavras: “porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”.

Ser correspondente internacional não é um prêmio ou oportunidade para passar alguns anos desfrutando de uma “boa vida” no exterior. Ser correspondente internacional significa uma vontade muito grande de viajar pelo mundo a qualquer custo e sempre em busca de boas pautas, muitas ideias na cabeça e muita coragem para enfrentar as dificuldades.

 

TAÍSA LUNA é jornalista e participou do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.

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