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Tempos modernos e pernas curtas

HELENA CENEVIVA, DE BUENOS AIRES

O dia começou com um ensinamento antigo e fundamental (sobre o qual eu nunca tinha ouvido falar). Aparentemente, a primeira coisa que te dizem na faculdade de jornalismo é que você deve ir para a rua. Esse mandamento dourado dos jornalistas é um mote antigo, repetido à exaustão, mas que – dizem – na universidade nunca tem seu porquê explicado. Nas minhas andanças acadêmicas, nunca estive perto do ensino jornalístico, o que significa que não sabia sequer que essa pedra de toque existia, muito menos sua razão de ser.

Ainda nesta viagem me perguntei por que não poderia fazer meu trabalho de dentro de casa. Se posso fazer pesquisas de qualidade com a distância de alguns cliques ou de alguns quilômetros, por que, então, seria tão importante abrir as mesmas portas que um folhear de páginas também poderiam abrir? Hoje pela manhã, durante a conversa do grupo com Sylvia Gonçalves, correspondente em Buenos Aires pela Folha de S. Paulo, percebi que na verdade eu já sabia a resposta.

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Sylvia Gonçalves já foi correspondente na Argentina e no Reino Unido. Grande conhecedora de assuntos de América Latina, tem uma experiência que nasce no curso de História da USP e passa por coberturas no continente. Foto: Acervo pessoal.

Sem me dirigir a palavra diretamente nenhuma vez, foi Eliane Brum quem, pela primeira vez, me ensinou que é fundamental sair às ruas. Isso acontece, pois os livros te contam histórias – é verdade – mas são as pessoas que as levam dentro de si. Com o artigo “Onde moram as pessoas marrons”, em sua coluna no El País brasileiro, foi que entendi que pesquisa nenhuma encurta a distância que existe entre uma pessoa e a realidade. Embora os livros, deliciosos e recheados, te levem por passeios mentais únicos, são apenas as histórias vividas (e não estudadas) que são carregadas de tato. Afinal, você saberia o que é sentir frio apenas lendo sobre ele?

Para os já formados ou para os estudantes de jornalismo, isso pode ter significado pouco; para mim, Sylvia pareceu ter falado sobre a invenção da roda. “É muito diferente viver na cidade”, disse ela. Ter uma “ideia de país”, como apontou, oferece uma visão que academia nenhuma sozinha poderia te dar. Assim como nenhum termômetro vai medir febres apenas tendo suas instruções de funcionamento lidas, não há jornalista que possa medir com precisão a temperatura de uma cidade desde portas cerradas.

Não passava das 11h30 quando tive outra ótima experiência. Isabela Giantomazo, jornalista formada pela PUC-RJ, aprofundou uma conversa que tivemos ontem, voltando do Clarín, na forma de apresentação. Falou um pouco sobre o básico de S.O. do Google com seus 200 algoritmos, explicando sobre as possibilidades e as limitações dessa tecnologia frente à produção jornalística. Com muita surpresa, descobri que, por exemplo, as palavras mais à esquerda do título são melhor lidas pelo Google, ou que também seus robôs se dedicam a decifrar com cuidado somente os primeiros 120/170 caracteres de um lide. Quem diria?

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Coordenadora de Mídias do jornal O São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Isabela fala sobre a influência que a tecnologia pode ter no alcance de produções jornalísticas. Foto: Acervo pessoal.

Foi curioso perceber como o trabalho do jornalista, mesmo que desvinculado da produção para redes sociais, ainda assim não consegue fugir das exigências impostas pela tecnologia. Sem as ferramentas e as estratégias mais adequadas, o furo da sua vida poderia acabar na segunda página de busca do Google, relegado à poeira eletrônica. Isso, inclusive, me fez perceber que não se trata de sucumbir completamente aos imperativos do digital, mas, sim, de se adaptar às necessidades de uma nova era.

Abrindo a temporada da tarde, me sentei em um café agradavelmente movimentado, onde passei por volta de 5h pesquisando sobre Mauricio Macri. Brinquei comigo mesma: tamanha fora a busca que caso o presidente fosse brasileiro, seria apenas questão de tempo até que as pesquisas me revelassem se Macri preferia Skol ou Brahma. As atividades na rua só se encerrariam por volta das 22h, depois da reunião de equipe e de uma conversa com Alfredo Fierro, funcionário do departamento comercial da Embaixada do Reino Unido em Buenos Aires.

Não fora à toa que mais cedo nós do grupo conversáramos sobre o ranqueamento de matérias que seguem atualizadas. Estes tais tempos modernos de fato correm mais rápido que nossas pernas: depois de um dia longo, em um piscar de olhos já passa da meia-noite e faltam 7 dias para o fim do programa.

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