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O secreto coração dos jornalistas

VICTOR LIMA GOMES, DE BUENOS AIRES

Numa crônica famosa, Luís Fernando Veríssimo narra a história de um publicitário que cria o slogan do século para uma marca de uísque. A frase é simples: “O Chivas Regal dos uísques”, sobreposta a uma foto da bebida.
Depois disso, o sujeito não sai mais de casa, não fala direito com as pessoas, larga o trabalho. Passa o resto da vida sentado numa poltrona, com um sorriso no rosto. Deixa escapar, de vez em quando, o slogan que mudou sua vida.

Alejandro Rebossio, jornalista econômico da Argentina, disse que é preciso criar uma marca própria para se distinguir na profissão. Se a marca é só sua e é boa, logo você se torna indispensável. É o segredo para ser contratado e não ser demitido. Parece ser a fórmula do sucesso. Há mais coisas, porém.

O personagem de Veríssimo, por exemplo, não daria certo no ramo. Alejandro elenca a disposição para o trabalho como parte essencial da carreira. Além dela, a capacidade de ser, a um só tempo, boa gente e gente boa.
Dizem que a imitação nada mais é que uma homenagem a quem admiramos. Pois bem: a ideia da crônica de Veríssimo estava no conto “O Espelho”, de Machado de Assis, tanto quanto a Capitu da rua da Glória estava na da rua Matacavalos. “O Espelho” é a história de um homem que enlouquece por passar dias inteiros admirando-se vestido numa farda do exército.

Mas que não nos enganemos os jornalistas. Essa história também nos diz respeito. Carl Bernstein e Bob Woodward, os Chivas Regal do jornalismo americano, bem poderiam ter congelado para sempre numa poltrona, contemplando as matérias por eles assinadas que derrubaram Nixon. João Santana, após coordenar a reportagem “Eriberto, um brasileiro”, que vinculou Collor definitivamente a PC Farias, deveria ter dado ouvidos a Veríssimo. Mudou de ramo e hoje está na cadeia.

Para conviver com a iminência dos passaralhos e outras tantas agruras da profissão, enquanto não somos (e talvez nunca venhamos a ser) indispensáveis, resta-nos trabalhar muito, ser éticos e esbanjarmos simpatia.

O que mantém a chama acesa, no entanto, é um pouco do prazer de que desfrutam os heróis de Veríssimo e Machado. Com a diferença de que não se confunde com pura vaidade. É, nas palavras de Dylan Thomas, “Não por pão, nem por ambição, nem para em palcos de marfim pavonear-se (…), mas pelo simples salário pago pelo secreto coração deles. ”

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