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O Cruze amassado de Cristina

LUIZ TEIXEIRA, DE BUENOS AIRES

O automóvel branco modelo Cruze de Cristina estava parado na porta do apartamento há algum tempo. Era possível perceber que o automóvel não saía da vaga na saída do número 1421 da rua Juncal porque as folhas das árvores se acumulavam no teto dele, por conta da chuva que insiste em cair em Buenos Aires.

Digo “insiste” como se fosse uma coisa fora do comum, mas de acordo com um dos motoristas dos táxis que tomei hoje, na verdade é usual que a precipitação aconteça nessa época do ano. Precipitadas foram as pessoas que não gostam de Cristina, que amassaram a lateral do carro da senhora. A mossa não era discreta, na verdade. Provavelmente a porta do carro do carona nem abre, mas como Cristina só costuma andar no banco de trás, esse detalhe continua passando despercebido.
Nesta segunda-feira, Cristina queria sair de casa, mais ou menos por volta das 18h, mas havia várias pessoas que ocupavam o caminho entre a porta do prédio – típico do bairro da Recoleta e com uma loja de serviços no térreo. Havia uma que estava lá desde as 05h, depois de vender um celular para viajar de sua cidade no interior do país apenas para vê-la.

Cristina precisava de ajuda para chegar ao carro, tanto que um grupo que estava à paisana entre a população subitamente pôs coletes azuis. Os dizeres “La Cámpora” estavam estampados, referência à Héctor José Cámpora, que se elegeu presidente em 1973 apenas para que Juan Domingo Perón retornasse ao poder. Os kirchneristas adotaram o tema como uma forma de manter viva a militância em torno dos Kirchners, ex-presidentes da Argentina.

Além do aglomerado de civis, um punhado de jornalistas também tentava vê-la (e quem sabe falar com ela) durante o curto espaço de tempo que ela levaria para ir até o cruze amassado. Era por isso que eu e os colegas de Jornalismo Sem Fronteiras estávamos lá, afinal de contas. Experiente, Eunice já havia traçado o mapa de como chegar perto de Cristina e se aproveitou de minha altura para ajudá-la a registrar o momento. Jack e Matheus estavam infiltrados, assim como as fotógrafas Ethel, Angélica e Lígia.

Quando Cristina enfim saiu de casa, uma claque surgiu e começou a gritar “SENADORA”. Nem um pouco perturbada, ela passou a cumprimentar os civis (incluindo Jack e Matheus), além de ter dado uma ignorada blasé em Eunice. Porém, mudou de ideia e falou com ela por dois minutos. Na verdade ela falou sozinha e aproveitou tanto os holofotes acidentais quanto os propositais.

As pessoas que esperavam pela oportunidade de ver Cristina pareceram surpresas por ouvirem sua voz. Portanto, todos se calaram e ficaram cobrando silêncio dos que ousaram falar. Quem gostou da quietude repentina foram os jornalistas que estavam lá, mas misteriosamente conseguiram ficar longe da ação. Na verdade ficaram todos atrás do carro e, potencialmente, podem ter causado outro amassado na propriedade alheia.

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Cristina acabou de falar sozinha, ajeitou o cabelo e foi embora. Obviamente ela entrou pela porta traseira e aparentou ignorar o amassado na porta do carona. Se eu tivesse a chance de falar com ela, perguntaria se ela iria consertar a mossa ou se ela era mantida lá de forma pelo valor sentimental, como no carro de Queen Latifah em “Jogada Certa”. E as pessoas voltaram ao estado de vigilância semi constante de quem espera todos os dias no número 1421 da rua Juncal, no aguardo do próximo ato em que representariam seus papeis no teatro de Buenos Aires.

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