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Entre dados e humanidade

O mundo está mudando e, com ele, o jornalismo. É papel de cada um se comprometer e aprender a navegar nessa nova realidade, mas nós que temos alma jovem e mente aberta temos sorte: podemos aprender com os que vieram antes de nós.

A primeira parada do dia foi no veículo que está ditando a nova tendência do jornalismo: o Chequeado, que, para quem não sabe, foi a primeira agência de fact checking (checagem de informações) da América Latina e uma entre as dez primeiras desse tipo no mundo. Com o sucesso do modelo, eles passaram a ir para outros países ensinar como fazer o mesmo (destaque para a Lupa e o Preto no Branco, agências brasileiras que passaram pela formação do Chequeado).

Mas o que exatamente faz o Chequeado? Basicamente, eles pegam alguma afirmação feita por um político, uma figura pública ou até por jornais e investigam (“checam”, entendeu?) bases de dados, especialistas e outras fontes para saber se essa informação é verdadeira, semi-verdadeira, falsa ou se não há dados o suficiente para sustentá-la ou desmenti-la. E se alguém acabou de imaginar um lugar enorme, com dezenas de jornalistas trabalhando 24h, se enganou: o Chequeado conta com uma equipe fixa de apenas 11 jornalistas, com alguns freelancers e colaboradores pontuais.

 

Conversamos com Pablo Fernandez, diretor de inovação do Chequeado, numa mesa ao lado de onde o resto do pessoal estava trabalhando. Durante as duas horas que estivemos lá, Pablo nos ajudou a entender como se financia uma mídia alternativa (por meio de doações de diversas fontes, caso queiramos nos tornar empreendedores também) e a como realizar jornalismo de dados, que, basicamente, necessita de muitas e muitas horas analisando números em planilhas de Excel, até encontrar aquela informação que não bate, aquele caso em que o 2+2, de alguma forma, deu 5.

“O primeiro lugar onde checamos são os dados oficiais, mas, na Argentina, por muito tempo esses dados eram controlados pelo governo e não são confiáveis, então buscamos dados de fontes alternativas: ONU, ONGs, diferentes institutos de estatística da Argentina. Se os dados são secretos, nós os trazemos para a luz. Também conversamos com diferentes fontes especialistas no assunto para nos ajudar a interpretar esses dados.” Falando assim, até parece fácil. Pablo resumiu dessa forma um trabalho que pode levar de dias a semanas e até meses, dependendo do assunto investigado.

Mas como saber quais dados devem ser destacados dentre uma infinidade de números e como classificar as falas dos poderosos? Aí já é necessário o tão famoso “faro” jornalístico, como o nosso participante André Costa Branco descreveu em seu blog:

O nome é moderno, a veia é empreendedora, mas Pablo Fernández, diretor de inovação do Chequeado, tratou de situar o fact checking, quando perguntado sobre o critério para escolher os chequeos (ou as pautas). “Escolhemos o que achamos interessante, não é uma ciência. É jornalismo clássico.” Avaliar se um discurso é verdadero, pero… ou falso (duas das nove categorias de classificação estabelecidas) pode ser uma tarefa minuciosa, mas não exata. Afinal, em se tratando de gente, o mais importante é elevar o custo da mentira.

Quando os dados não apontam para uma resposta específica, o que eles fazem é colocar todas as fontes disponíveis, para que as pessoas saibam que há mais de uma linha de raciocínio possível. Conforme novas informações vão surgindo, antigos chequeos são revistos e atualizados.

Iniciativas como o Chequeado são fundamentais para o mundo de hoje, onde há um excesso de informação partindo de todos os lados sem filtro e sem base, mas quanto a integrar esse trabalho ao jornalismo do dia a dia, Pablo já é um pouco mais pessimista: “Os tempos simplesmente não batem, jornalismo de dados precisa de um tempo maior para ser investigado, não é compatível com o jornalismo do dia a dia em que uma nova nota no site precisa sair a cada 20 minutos”. A sugestão? Que cada jornal desenvolva dentro de sua redação seu próprio “Chequeado”, um núcleo destinado apenas a checar posteriormente as informações que disparam e trabalhar em histórias de maior prazo. #FicaADica

Uma coisa é certa: saímos da redação do Chequeado com vontade de fazer igual. A Ethel resumiu bem:

Por mais que trabalhem muito e não recebam salários fartos como os de jornalistas de carreira, produzem conteúdo de qualidade e que se vende. No Chequeado, os redatores sabem que divulgam informações de interesse geral e que vão repercutir… E que jornalista precisa mais do que isso?

Gancho para falar do nosso próximo entrevistado. Alejandro Rebossio precisa. Nossa conversa com o ex-correspondente do jornal espanhol El País e atual correspondente da Deutsche Welle estava marcada para quinta-feira, mas por causa de um compromisso de última hora, Alejandro ligou e perguntou se poderíamos antecipar. Já aprendemos que vida de jornalista pode mudar a qualquer momento e que devemos aproveitar todas as oportunidades. Antecipamos a conversa.

Alejandro (que, aliás, está colaborando com o Chequeado em uma investigação nesse momento) nos falou sobre a importância de criarmos nossa própria marca como jornalistas, para que as pessoas queiram ler o que nós temos a dizer. Falar de tudo, mas nos especializarmos em algo até que nos tornemos referência no assunto (para ele, o assunto é economia, como mostra seu livro Estoy Verde, sobre a relação entre os argentinos e o dólar). E como podemos fazer isso? Trabalhando muito, trabalhando sem parar, não sendo preguiçosos.

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“Fale com gente, saia para a rua, pegue as informações em primeira pessoa e não fique só sentado na frente do computador. As redes são ótimas para encontrar fontes, mas quando as encontrar combine de conversar pessoalmente, vão almoçar, tomar um café”, ensina ele.

Para Alejandro, o jornalista deve buscar fontes em todos os lugares e procurar aquelas fontes difíceis, diferentes, que agregam à matéria. Quando estava cobrindo as eleições argentinas, ele queria encontrar uma fonte que fosse alguém que apoiava Macri, mas com ressalvas, para não ser uma pregação. Tentou pelo Twitter, pelo Facebook, Linkedin… Nada. Acabou encontrando pelo Whatsapp, no grupo de amigos com quem joga futebol.

Mas a lição mais importante dada por Alejandro veio depois. Vou deixar destacada para nunca esquecer:

Seja humano, antes de ser jornalista – Alejandro Rebossio

No dia a dia de um jornalista, muitas vezes nos encontramos com pautas difíceis, conversando com fontes sobre assuntos delicados, ou numa situação de estresse. Para Alejandro, é fundamental ser uma boa pessoa, não só porque as relações interpessoais são importantes para um jornalista, mas para que possamos tratar nossas fontes com a ética, gentileza e empatia que merecem e fazer histórias boas, que falem sobre gente.

Poderíamos ter escutado as lições de Alejandro por horas, mas a entrevista foi interrompida por um telefonema da Alemanha. “É trabalho”, ele logo disse, pedindo desculpas. A Deutsche Welle queria que ele cobrisse a renúncia do técnico da seleção argentina, Tata Martino, que renunciara a um mês das Olimpíadas. Alejandro tinha que ir para casa e começar a preparar o material.

Nos despedimos, novamente com aquela sensação de fogo nas veias de quando saímos do Chequeado. Queremos fazer igual ao Alejandro, e ao Chequeado, e a Luciana e ao Ariel. Cada pessoa com quem falamos nos trouxe uma experiência diferente, uma lição para guardarmos em nossas caixinhas. Somos jovens, aprendemos bastante e ainda temos muito o que aprender. Pegamos nossas partes preferidas de tudo o que vivenciamos e elas construirão o profissional que seremos daqui em diante. Se seremos mais Chequeado ou mais Alejandro não importa, construiremos nossa marca.

Metade da viagem já foi. Temos poucas atividades ainda programadas, mas muito trabalho para fazer, afinal, as matérias para o programa precisam ser entregues no sábado e ainda há muito o que apurar, escrever e fotografar. Antes de nos despedir, queríamos dar os parabéns à Beatriz, que foi na cara e na coragem até a Caritas de Buenos Aires e conseguiu na hora uma entrevista com o seu vice-presidente, Daniel Gassman. Ela não quis revelar no seu blog, mas nós não aguentamos. Parabéns Bia!

Até mais!

 

P.S: O pessoal do Chequeado também revelou que, para organizar os dados de forma visual, eles usam as ferramentas Infogram e Highcharts, ambas gratuitas.

P.S 2: A cobertura completa da conversa e todas as dicas dadas pelo Alejandro você encontra no nosso Twitter.

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