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É mais que uma profissão, é uma história de vida.

 OLIVIA STEED, DE MADRI

Ontem (17), através do programa Jornalismo Sem Fronteiras Madri participamos de uma conversa na FAPE (Fundación de Associaciones de la Prensa) – uma organização que representa mais de 80 associações jornalísticas espanholas, onde tivemos a oportunidade de conversar com conceituados jornalistas sobre suas experiências como correspondentes internacionais.

A mesa de debate foi integrada por Elsa Gonzáles, presidente da FAPE, que foi responsável pela fala inicial dos debates, Francisco Figueroa, Vicente Botín, Enrique Peris e Francisco Audije. Todos, jornalistas com ampla experiência profissional, já tendo atuado em diversos países do mundo. Sem dúvida foi uma conversa de muitos aprendizados profissionais, éticos e de vida.

Além de uma troca riquíssima de experiências, formações e pontos de vista, para nós, em inicio de carreira, essa conversa representou mais do que apenas aprendizados (pois como jornalistas nos dispomos a aprender todos os dias), mas principalmente, como uma forma de refletir sobre nossa profissão e nossas escolhas.

Desde a fala inicial de Elsa Gonzáles sobre o surpreendente número de mulheres presentes na sala até as atuais dificuldades da profissão, tudo foram motivos para compreender o que é e o que tende a ser, cada vez mais, a nossa profissão. De temas como a desvalorização profissional, uma necessidade constante de autocrítica, a compreensão do verdadeiro poder que temos em nossas mãos e do nosso verdadeiro papel, até análises sobre o que é ser um jornalista nos mais diversos tipos de situação, tudo foi especialmente importante.

E em especial para mim, foi interessante ter uma dimensão ainda maior da nossa responsabilidade, do fato de sermos de fato formadores de opinião e jamais isentos das consequências daquilo que publicamos. E como deveria ser em qualquer profissão, mas ainda mais na nossa, da necessidade constante de ser fiel aos nossos valores e nossa ética, de repensar o nosso papel diante de oportunidades e obrigações. O jornalismo é mais do que uma profissão, ele é um papel social.

E como membros de um grupo de tamanha importância na sociedade, temos que aprender a treinar nosso olhar, nossa crítica, nosso discernimento e nossa forma de agir, um agir jornalístico em qualquer situação. Acima de tudo, ser jornalista não é só se formar e escrever por aí, ser jornalista é treino puro, diário e incansável. Talvez seja isso que faz da nossa profissão tão bonita!

Além disso, ser jornalista é ter repertório, ter preparação, ter humanidade, ter inteligência, ter curiosidade e ainda assim, ter coragem. Coragem para fazer o que tem que ser feito em uma sociedade que tece cada vez mais criticas ao jornalismo, que é tomada cada vez mais pela rapidez da internet e sua superficialidade, que é cada vez mais intolerante e onde só o jogo de cintura não é mais suficiente.

Sou obrigada a concordar com Francisco Figueroa, quando diz que ser jornalista é a profissão mais bonita do mundo. E também sou obrigada a concordar com Elsa Gonzáles e Paco Audije, quando dizem que nossos profissionais precisam lutar contra uma desvalorização desenfreada da nossa profissão. E que em tempos de 140 caracteres, a questão não é mais sobre ser o primeiro e sim ser o melhor.

Sobre os participantes:

Vicente Botín

Vicente Botín já foi correspondente em países como Líbano, Marrocos, Irã, França, Argentina, entre outros, porém sua especialização é em América Latina, onde passou boa parte de sua carreira, em especial na ilha de Cuba. Em Cuba viveu como correspondente durante 8 anos do regime de Fidel Castro.

O jornalista é conhecido, entre outras coisas, por inúmeras matérias sobre o regime cubano e por seus dois livros, Los Funerales de Castro e La Pulga que Cabalgo al Tigre (a primeira biografia de Raul Castro), que foram escritos durante sua permanência em Cuba e publicados posteriormente. Vicente Botín teve a oportunidade de entrevistar Fidel Castro em 1984, entrevista que marcou os 25 anos do início da revolução e que serviu como passaporte para sua aceitação em Cuba durante o regime.

Durante a conversa, Bontín nos contou sobre suas experiências como correspondente em um regime não democrático e sob constante vigilância, trazendo para a conversa suas percepções e experiências pessoais do que foi trabalhar e enviar informações que pudessem ser desfavoráveis à revolução. Nos contou também sobre a necessidade de escrever sem acesso à internet, com computadores e pen drives cifrados e mantende fontes secretas, além de uma série de estratégias para burlar a censura na hora de transmitir informações.

Suas histórias levantaram um debate interessante sobre as dificuldades e a capacidade de cobertura jornalista em regimes não democráticos, sejam eles de esquerda ou de direita, e até mesmo um comparativo com as dificuldades de cobertura em um regime democrático – que também existem.

E deixando de lado suas opiniões pessoais, que não cabem nesse texto, do ponto de vista jornalístico foi uma das conversas mais enriquecedoras que poderíamos ter. Uma vez que nós, jornalistas recém-formados que não vivemos um período de ditadura militar, temos sérias dificuldades em entender a não existência de uma verdadeira liberdade de expressão.

Suas histórias também serviram para nos mostrar a quantidade de escolhas que nossa profissão nos obrigada e nos obrigará a fazer. Nos faz pensar e colocar numa balança decisões como “publicar uma notícia bombástica e ser expulso, ou se manter e seguir informando sob qualquer circunstância”, algo que foi muito ressaltado por Vicente Botín, ao destacar o que imagina ser o nosso verdadeiro papel: “nosso dever é informar, não ser um mártir”.

Enrique Peris

Enrique Peris, que além de jornalista é também professor universitário, trabalhou como correspondente para RTVE no Reino Unido e países nórdicos, atuou também na Argentina durante a Guerra das Malvinas e foi âncora de alguns telejornais espanhóis.

Entre muitas falas importantes, o jornalista levantou o debate sobre as dificuldades e também sobre a necessidade de tomar ainda mais cuidado com as fontes em regimes democráticas. Uma vez que a liberdade de expressão dá espaço para distorções e para a omissão de fatos que buscam evitar o comprometimento das entidades envolvidas.

Em um dos exemplos citados por ele, está um caso já muito conhecido por nós brasileiros: Jean Charles de Menezes, morto no dia 24 de julho de 2005 no metro de Londres ao ser supostamente confundido com um terrorista. Até hoje, se confronta a versão apresentada pela polícia britânica. Na época, em Londres, Enrique conta da grande dificuldade que foi obter informações claras sobre os acontecimentos, todas passadas parcialmente, com imprecisões ou simplesmente negadas pela polícia local.

Enrique Peris conta também sobre as dificuldades de dar credibilidade às informações publicadas pela principal rede jornalística da Inglaterra, a BBC, que durante o governo de Margaret Thatcher foi controlada e manipulada pelos interesses da governante. E ressaltou a importância de sempre desconfiar daquilo que vemos, principalmente nos meios de comunicação.

Já em sua experiência na Argentina durante a ditadura militar, Enrique cobriu a Guerra das Malvinas e nos conta que seu único acesso às informações era através dos militares argentinos, que passavam para todos os jornalistas estrangeiros a mesma versão que transmitiam ao povo e por sua vez, contrárias às que eram passadas na Inglaterra.

E isso nos faz refletir sobre a palavra “versões”. O que são as versões de um mesmo fato? Ao meu ver são olhares distintos que sofrem influencias ideológicas, de interesse econômico e politico. Mas o que nós jornalistas temos que fazer com essas versões? De fato, carregar conosco um radar que saiba balancear o que é fato e o que é opinião não é uma tarefa simples e assim, mais uma vez, batemos na tecla de que não existe um jornalismo neutro e isento de opinião, e que mesmo que nossa função seja criar contrapontos e dar voz aos lados distintos, não existem textos que não estejam carregados de ideologia e de visões de mundo preconcebidas.

Francisco Audije (Paco Audije)

Correspondente na França, Argélia, Tunísia e Kosovo, Francisco Audije foi o participante que mais levantou a bandeira sobre a desvalorização da nossa profissão e as principais dificuldades que os correspondentes internacionais têm enfrentado com a falta de respaldo dos próprios veículos.

Vinculado à sindicatos e diversas associações que discutem a profissão de jornalista, Paco falou sobre as diferentes formas de contratação de profissionais na França e Espanha, da falta de obrigatoriedade de diploma nos países da Europa – uma discussão recorrente no Brasil, e sobre as formas de se manter como correspondente mesmo sob risco constante.

Paco Audije citou também a dificuldade de cobrir com o olhar de estrangeiro um país com que se está envolvido e destacou a importância do distanciamento para que continue a perceber o que é diferente e interessante ao olhar de seu público. Na França, o jornalista chegou a receber criticas por estar fazendo a cobertura como se fosse francês. É sempre importante lembrar que o que para nós se torna corriqueiro, ainda pode ser diferente aos olhos dos outros.

O jornalista destacou ainda a versatilidade que um profissional de jornalismo precisa ter, “um bom jornalista é aquele que fala sobre o que não sabe, sem errar” e da importância de conseguir fontes de confiança em todos os lugares – o que sem dúvida, leva tempo. Não apenas Paco, mas todos os outros membros da mesa, destacaram os principais aspectos que diferenciam um enviado especial, de um correspondente internacional, tendo esse último mais tempo de preparo e portanto, tendo a possibilidade de criar mais contatos, conhecer o contexto e outras tantas características importantes para falar sobre o lugar.

Francisco Figueroa

Mediador do debate, o jornalista Francisco Figueroa trabalhou como correspondente durante 25 anos e entre seus países de atuação está o Brasil em dois periodos distintos: durante a época da ditadura militar e  após sua transição para a democracia.

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