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Quinta-feira – 18 de julho

Buenos Aires resolveu mostrar-nos como são suas manhãs típicas de inverno justo no nosso dia mais corrido. O friozinho até que era suportável e, me arriscaria a dizer, charmoso; mas as rajadas cortantes de vento e a chuva faziam com que procurássemos chegar o mais rápido possível ao nosso destino. E como nunca nos falta motivo para correr, nosso compromisso hoje seria o mais cedo de todos, às 9 da manhã. SERIA. Engolimos nosso café da manhã, pegamos agasalhos extras e partimos para o nosso primeiro destino: O El País. Lá iríamos assistir uma palestra do Alejandro Rebossio, correspondente do jornal espanhol aqui na Argentina. De quebra, pelo nosso roteiro, o entrevistaríamos e conheceríamos a redação do jornal aqui da Argentina.

Com o roteiro em mente, saímos do hotel para encarar o General Frio em busca de quatro táxis, para nossos 12 aspirantes a correspondentes. Antes de embarcar, tínhamos que relembrar o bordão da viagem: “Cadê Teresa?” Ela subiu para pegar o casaco e não voltou mais. Como estávamos há quinze minutos do horário (teórico) do evento e não estava nada fácil pegar táxi, fomos na frente. Porém, ao chegar, por alguma razão inexplicável, a Teresa já estava lá. Até o presente momento não conseguimos entender o porquê. Enfim.

Quando todos entraram na portaria do prédio onde funciona o El País, disseram que o Alejandro (que além de palestrar ia nos receber), não havia chegado ainda. Esperamos. Primeiro em pé, depois escorados na parede. Por fim, todo mundo se rendeu e sentamos na escada. O pessoal da portaria, muito solícito e com dó de ficarmos sentados no chão frio com uma temperatura de 4º, disse que era melhor esperarmos já na sala. E assim fizemos. Alejandro chegou às 10h15 e se desculpou: Perdona-me, había tráfego y me atrasé 15 minutos.Sim, ele pensou que o horário era às 10h. Na verdade, depois do teletransporte inexplicável da Teresa, esse é o segundo mistério do dia: não sabemos se ele ou nós marcamos o horário errado.

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O Alejandro tinha experiências riquíssimas para nos contar e, mesmo com a palestra totalmente em espanhol, foi empolgante conhecer sua rotina, carreira e ouvir as dicas. No final, todos ainda queriam alugar o atarefado jornalista; ou por ter ficado curioso com algo da palestra, para tirar uma dúvida de uma pauta, ou fazer uma entrevista filmada. Alejandro foi cordial, mas, como aprendemos essa semana, a rotina deles é imprevisível. Deu tempo de gravar uma entrevista bem rápida e ele saiu correndo. O chefe bombardeava seu celular de mensagens.

“Abajo al Gobierno”, disse o povo

No final foi até bom, pois mais dois minutos e a entrevista seria interrompida por um barulhento protesto que tomou a rua, bem a nossa frente. Saímos à janela e o sangue jornalístico nos instigou a fazer imagens “aéreas” (da janela do quarto andar do prédio do El País) dos manifestantes, que tomavam toda a avenida que estávamos. Jamais imaginaríamos presenciar tal cena. Eram cerca de mil – segundo o que a Deborah consegui apurar com uma das manifestantes – sindicalistas que batiam tambores, panelas e ensaiavam cantos na porta do Ministério do Trabalho. Descemos imediatamente. Alguns ficaram mais acanhados olhando de longe, outros se misturaram e procuraram saber o que estava acontecendo ali e fazer imagens. No meio do ziriguidum, decidimos improvisar celulares como microfones e o Clésio gravou uma passagem narrando o que estava acontecendo, enquanto a Deborah o filmava. É emocionante estar no lugar certo e na hora certa… e poder presenciar um dos esportes mais populares daqui – as manifestações.

A adrenalina que nos fez entrar no meio dos protestos e “cobrí-lo” nos animou a querer explorar ainda mais Buenos Aires. Como não passavam táxis com a avenida bloqueada, decidimos ir de metrô. Tiramos o mapa da mochila; olhamos aqui; olhamos ali; calculamos; o viramos – estava de ponta cabeça; recalculamos e definimos nossa rota! O caminho até a estação evidenciou ainda mais o ambiente de obras que está a cidade. Parece que eles que vão receber os dois eventos esportivos mais importantes do mundo e não a gente. Isso, ou a queda da popularidade de Cristina tem surtido efeito.

Talvez nada revele mais sobre a cidade como seu metrô. O subterrâneo de Buenos Aires é o mais antigo da América Latina e mantêm semelhanças com a superfície: uma mistura de antigo e novo, clássico e moderno. Os azulejos da época da construção convivem harmoniosamente com os trens grafitados. Falta conservação nos vagões e na pintura das paredes. Em compensação, é possível percorrer toda a cidade pagando apenas 2,5 pesos. De quebra, enquanto se espera o trem dá para ouvir música ao vivo ou comprar revistas ou alfajores nos quioscos instalados nas plataformas, coisa proibida em São Paulo.

Quando saímos do metrô já estávamos próximos à redação do Clarín. Porém, famintos. Como ainda faltava uma hora e meia para o horário que combinamos, ficamos por ali mesmo para almoçar – esporadicamente, os jornalistas ganham esse direito. Como o bairro era periférico, a comida era um pouco mais barata. Os pratos variavam na média dos 50 pesos com acompanhamento (cerca de R$ 16). Terminamos e, por pouco, não nos perdemos na saída. Quase fomos para o lado contrário: tinham dito ao Clésio que o número era o 700, quando, na verdade, era o 1852. Graças à nossa editora-chefe, que prega sempre a checagem da informação, até de um simples endereço, chegamos a tempo.

“Abajo al Gobiernodisse o Clarín

Nem de longe a fachada do Clarín lembrava um jornal, parecia mais um Quartel General. Localizado em uma rua fabril de um bairro distante da cidade, não conseguimos avistar sequer o logo do jornal por fora. Ao entrarmos, havia detectores de metais e muita segurança. Quando sacamos a câmera, nos proibiram de tirar fotos. Os ambientes eram bem decorados, mas escuros e abafados – mal conseguimos perceber a presença de janelas, as que tinham eram cobertas por cercas. Nossa guia nos explicou que tudo isso se devia ao fato de que o jornal tinha sido invadido há alguns dias.

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Contudo, eles foram super educados e, espontaneamente, convidaram o ex-correspondente de guerra, Gustavo Sierra, ganhador do prêmio Maria Cabot (o Oscar do jornalismo) para uma conversa com a gente. Atualmente, ele é colunista do caderno Mundo e nos contou histórias chocantes sobre como é uma guerra. Ele disse que todos os jornalistas que voltam desse tipo de cobertura sofrem de stress pós-traumático. Deve ser um divisor de águas na vida, quase uma epifania.

Apesar de ser um cara da velha guarda do jornalismo, Gustavo não parou de ressaltar a importância das novas tecnologias na vida de um jornalista. Ele disse que, no futuro, só vão contratar quem, além de escrever (fotografar, filmar e diagramar), saiba programar. Falou também que, cada vez mais, os profissionais de carreira serão descartados para dar lugar aos novos, mais versáteis e três vezes mais baratos. Frustrante. Mas é cisma de jornalista, todos eles nos alarmam e dizem para sairmos enquanto há tempo. Contraditório. Nenhum deles desistiu dessa fascinante profissão e transpiram paixão pelo que fazem. Até nós, que mal começamos, já fomos seduzidos pelo clima da redação. Aquele ambiente inspirava cada um e os comentários do tipo “Nossa, quero vir trabalhar aqui.” foram unanimes. Conhecemos todas as editorias e, como o vento estava ao nosso favor, o horário era de calmaria na redação e foi possível conversar com o editor-chefe do Clarín, Claudio. Ele explicou por alto como era o funcionamento da redação e abriu para perguntas. Apesar da vontade de dizer “Onde entrego meu currículo?”, nos limitamos a pedir dicas para sermos bons correspondentes e a perguntar como era a vida de um jornal declaradamente opositor ao governo. “É difícil principalmente para os novos. Nós que vivemos a ditadura estamos acostumados com a repressão”, foi a resposta que só nos fazia entender o conflito entre o Clarín e o governo Kirchner.

Brasileiro com muito orgulho, com muito amor

Ainda deu tempo de conhecer a redação do portal virtual, da rádio e do Olé – do mesmo grupo. No Olé, tivemos o momento orgulho do dia: uma editora de um dos programas perguntou de onde vínhamos e, ao falarmos que éramos do Brasil, ela elogiou bastante as manifestações, no momento em que o Brasil está no centro do mundo por causa dos eventos que recebe. De quebra, ela ainda elogiou a atitude da Dilma ao convidar os líderes das manifestações para o diálogo. Disse que algo parecido jamais aconteceria na Argentina. Quem diria, hein, Brasil?! Ouvir isso de um povo tão politizado como o argentino foi reconfortante. Deu um orgulhozinho.

Antes de sair, a guia ainda nos deu uma réplica da primeira edição do Clarín. As meninas saíram da redação animadinhas. Não só pelo ambiente jornalístico, mas pelos próprios. Queriam dividir a pauta com os jornalistas. Pegar telefones para fazer umas entrevistas…

O dia em que o relógio teve 48 horas

Já passava das cinco e meia quando saímos do Clarín e nosso dia mal tinha passado da metade. Estávamos atrasados para a palestra/entrevista/conversa de bar (literalmente) com o Ariel Palácios (Globo News e O Estado de S.Paulo) e a Janaína Figueiredo (O Globo). O bar, um dos mais tradicionais de Buenos Aires, localizado na Recoleta, fica no lado oposto ao que estávamos. Lá fomos, novamente, na luta por táxis. Por alguma razão, eles nunca param para grupos de 12 pessoas. Os corajosos que pararam eram duas figuras. O que pegamos já tratou de colocar um rock bem alto na intenção de animar o ambiente (ou não ouvir nosso papo). Deu certo, era impossível conversar. No semáforo, o táxi que levava algumas das meninas parou ao nosso lado. Os dois motoristas começaram a conversar sobre qual o melhor caminho a seguir já que a cidade estava congestionada por causa das manifestações dos 19 anos do atentado da AMIA. A disputa para ver qual dos dois sabia qual o melhor caminho terminou coma a frase: “Mirá, me está tratando como su gay pasivo!” Todos, nos dois carros, caíram na risada.

Los corresponsales

Apesar do horário apertado e trânsito um pouco carregado, chegamos a tempo. É importante ressaltar o quanto imprevisível e maluco é o tráfego em Buenos Aires. Carros cortam uns aos outros, passam no sinal já fechado, mudam de faixa aleatoriamente e, acreditem, pegam o corredor. Sim, os carros pegam o corredor dos próprios carros, ficam no meio da faixa. Quase tão emocionante quanto uma montanha-russa da Disney.

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Como o lema da viagem é a positividade, deu para chegar vivo e entramos no restaurante. Parece que todos os lugares por aqui são clássicos e refinados. Era um café bem grande, com decoração e mesas de época, além de umas tortas que pareciam estar deliciosas. Nossos entrevistados mostraram pontualidade exemplar e, logo em seguida, chegaram. Como já havíamos encontrado os dois na coletiva do Papa, era como se já fossem grandes amigos. O encontro foi um papo de colegas mais velhos que contam seus casos e dão conselhos para os ingressantes. A Janaína, que começou como correspondente aos 24 anos, tem muita experiência e deu dicas valiosas. E, no Ariel, é impossível não prestar atenção. Quanto mais ele conta seus causos, mais dá vontade de ouvir. O da cobertura ao terremoto no Chile mesmo, é impagável. Ele passou cinco dias sob mal bocados e, o pior, sem banho. Nossas desventuras com a internet e a falta de água no hotel começaram a parecer muito insignificante. Prometemos não reclamar mais de nada. As histórias eram fascinantes. Tanto que deu até pra esquecer o cansaço. Até a Bárbara, que vinha passando mal desde que chegamos ao Clarín, melhorou de repente. Não ficamos mais porque a agenda deles não nos deixou. A Janaína só pode ficar uma hora e o Ariel, duas (apenas duas…). Poderíamos, tranquilamente levar nossos travesseiros e ficarmos por ali mesmo, ouvindo mais dessa prosa e tomando café. Nos despedimos dos corresponsales, agradecemos e encaramos o frio de 5 graus (pela última vez no dia), na volta para o hotel.

O dia terminou com um balanço sobre tudo que passamos. Foi bem intenso e ótimo compartilhar tudo com pessoas com os mesmos interesses e experiências diversas. Esses diferentes pontos de vista, quando se juntam, geram ótimos papos.

Vivemos muitas coisas num único dia: Visita a dois jornais, palestras com correspondentes brasileiros na Argentina (Ariel e Janaina), argentinos da Espanha (Alejandro) e argentino que já cobriu guerras como a do Iraque e do Afeganistão (Gustavo Sierra). Fora as entrevistas em vídeo, cobertura surpresa do protesto, aventuras no metrô, aproveitar o “atraso” do palestrante para dar boas risadas. Ainda faltam três dias para voltarmos para casa, mas a saudade já começa a bater.

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