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As mulheres do futebol argentino

Assim como no Brasil, o cenário das mulheres nesse esporte é praticamente amador e elas enfrentam várias dificuldades para se manter. As jogadoras do time da Universidad de Buenos Aires pagam, inclusive, o transporte para irem até o campo das adversárias.

LARISSA BEZERRA

DE BUENOS AIRES

 

Treino da equipe da UBA: meninas treinam apenas três vezes por semana. Foto por: Larissa Bezerra
Treino da equipe da UBA: meninas treinam apenas três vezes por semana. Foto por: Larissa Bezerra

Rostos desconhecidos. Histórias não contadas. Muitas dificuldades. Perseverança também. De tudo isso é feito o futebol feminino na Argentina. Mas não é só.

A seleção feminina do país não consta no ranking da FIFA por estar há muito tempo sem jogar, mas o campeonato argentino de futebol, organizado pela AFA (Associação de Futebol Argentino), está a todo vapor.

Este ano, a liga é constituída por duas categorias: A e B. A primeira conta com dez equipes e a segunda com quinze. No ano passado, todos os times estavam em uma só competição.

Das equipes da divisão principal, apenas quatro (Boca Juniors, River Plate, Uai Urquiza e San Lorenzo) são profissionais e as jogadoras conseguem viver de futebol, mesmo com os salários baixos. O Uai Urquiza, apesar de incluso nessa lista, oferece apenas bolsas de estudos e alojamento para as atletas. O resto das equipes são totalmente amadoras.

Um desses times amadores é a UBA (Universidad de Buenos Aires), formado há dez anos. O treinador, Leandro Sequeira, está há cerca de dois anos e meio com a equipe, quinta colocada no campeonato. Ele conta que é difícil competir com as equipes profissionais (as quatro primeiras colocadas) porque não têm tanto tempo para treinar e as próprias jogadoras precisam arcar com os custos das viagens e outras despesas. “A maioria das jogadoras trabalha ou estuda, então, dedicam muito pouco tempo ao futebol. Treinamos três vezes por semana, durante duas horas, é muito pouco”, avalia Leandro.

Isso tudo se reflete nas taças conquistadas. Apenas as equipes profissionais ganharam títulos: vinte e três para o Boca Juniors, dez para o River Plate, dois para o UAI Urquiza e dois para o San Lorenzo.

Ele conta também, que nos elencos das equipes é possível encontrar histórias incríveis. “Tem jogadoras que são mães e mesmo assim conseguem se dedicar ao futebol amador. Na minha equipe, quase todas as jogadoras tem pelo menos curso técnico. Ou estudaram ou estão estudando. São advogadas, contadoras, médicas, psicólogas.”

Além da luta diária para tentar se destacar em um meio onde as oportunidades são desiguais, as mulheres ainda precisam lidar com todos os holofotes apontados para a categoria masculina. O campeonato tem apenas um jogo transmitido a cada rodada e somente na internet.

Ao lado do campo onde treinam, fica o estádio do River Plate. Foto por: Larissa Bezerra
Ao lado do campo onde treinam, fica o estádio do River Plate. Foto por: Larissa Bezerra

Mas as diferenças também podem ser positivas e aproveitadas em campo, como aponta o técnico da UBA. “Uma diferença entre homem e mulher é que a mulher é muito atenta, raciocina muito rápido e coloca em prática logo. Os homens pensam que sabem o que devem fazer no jogo, mas na verdade não sabem”, comenta.

Todo amor pelo futebol é notável no treino das meninas. Sobram sorrisos. As jogadoras, em pleno feriado, deixam suas casas para comparecer ao campo e não decepcionam o treinador, que ao final, elogia o time. Não era para menos, se esforçaram, sem corpo mole, do início ao fim. Ao fim das atividades, Leandro faz a convocação para o próximo jogo. “Tenho que fazer com antecedência, elas precisam se organizar porque são elas mesmas que pagam o transporte e tudo”, conta.

UBA: treinador orienta as jogadoras pós-treino. Foto por: Larissa Bezerra

Ao lado do campo, a mãe da jogadora Tamara, Adriana Gallo, acompanha as atividades. “Eu venho em todos os treinos, nós apoiamos muito que ela jogue”, diz. Tamara, 20, está no terceiro ano de economia. Às vezes, jogava com meninos, mas a mãe acredita que o ambiente é muito machista, apesar de estar mudando bastante nos últimos anos. A atleta é uma das mais novas no time da UBA, está apenas há algumas semanas. Adriana ainda comenta o empenho de todas. “Alguns dias, estava chovendo muito, quase sem condições no campo e mesmo assim elas estavam aqui treinando e se dedicando, por isso acho que vale muito a pena.”

Sobre o machismo, Leandro Sequeira diz que é uma questão cultural que precisa de uma mudança massiva. “A mulher ganhou um lugar muito importante na sociedade, mas ainda falta muito.”

A capitã do time, Valentina Abot, tem 28 anos e joga futebol desde os quatro. Dos 24 anos dedicados ao esporte, dez foram na equipe da UBA. Ela é fisiatra e conta que o sonho sempre foi estar na seleção argentina, assim como é o desejo de todas as companheiras. “Mas é muito difícil, no meu caso, pela idade, e no caso delas, porque sempre chamam as mesmas pessoas, então não tem muitas oportunidades. Eles perdem a chance de ver em campo jogadoras de muita habilidade.”

Valentina diz que, não fosse pela alegria de jogar, não teria mais nada no futebol, já que trabalha e estuda, não pode viver do esporte.

O técnico Leandro ressalta que o amor e a paixão das meninas é enorme e que, literalmente, é o que as move, porque não recebem nada para estar em campo.

Valentina acredita que o amor era ainda maior há algum tempo. “Antes não podíamos sequer estar na AFA, então o único motivo de jogar era realmente o gosto pelo esporte.” Ademais, a jogadora vê um ponto muito positivo de estar nesta equipe. “Além de um time, somos amigas. Nos outros clubes se trocam muito as jogadoras, mas temos quase sempre a mesma equipe, então tem uma identificação, o amor pela camisa mesmo.”

 

Para melhorar esse cenário geral tão complicado, o técnico acredita que falta praticamente tudo. “Falta estrutura, uma ideia de trabalho para seguir, suporte econômico, centros e escolas de futebol, espaço, desenvolvimento social, igualdade de gênero, muitas coisas”, afirma.

Apesar disso, todos estão muito otimistas, porque t

Elenco da UBA em 2016. Foto: Divulgação
Elenco da UBA em 2016. Foto: Divulgação

êm visto mudanças significativas nos últimos anos.  E o treinador cobra espaço para as atletas. “Qual a problema de uma mulher jogar futebol? Não é uma questão de gênero, é uma questão de amor ao esporte e isso qualquer um pode ter”, diz ele.

Na Argentina, no Brasil, em todos os lugares, elas não recuam na conquista do espaço. E estão aí para mostrar, quantas vezes for preciso, que futebol não é só um jogo. E que no campo de futebol também é lugar de mulher.

Foto por: Larissa Bezerra
Foto por: Larissa Bezerra

 

LARISSA BEZERRA é estudante de jornalismo e participou do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.

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