
O vício portenho pela literatura
Buenos Aires é uma das capitais com mais livrarias no mundo. Conheça um pouco mais sobre os sebos da capital argentina e a história dos livreiros, mestres quando o assunto é literatura
BEATRIZ DE DEUS
DE BUENOS AIRES
O cheiro do livro antigo mostra que o passeio acontece na Avenida Corrientes, uma das mais importantes de Buenos Aires. Atrás do balcão da Livraria Monk, o livreiro Alejandro Marcos olha atento todos que entram no estabelecimento em busca de mais um exemplar para sua coleção. Aos 65 anos de idade, o senhor de bigode branco orgulha-se em contar que trabalha com livros há mais de 40 e, mesmo depois de aposentado, continua trabalhando nas livrarias de um amigo.
Buenos Aires tem tradição de leitura. A cidade foi escolhida em 2011 pela Unesco como a Capital Mundial do Livro e, segundo o livreiro Alejandro, o título não foi dado por mero acaso. “Os argentinos leem, mas o portenho especialmente é uma pessoa que lê muito”, diz. A prova disso é a variedade de tipos de livrarias que a cidade possui. Além das livrarias convencionais, existem as livrarias de saldos e os antiquários.
Mesmo com a crise econômica, Alejandro afirma que nunca viu uma livraria fechar e que, quando isso estava para acontecer, os funcionários do estabelecimento resolveram a situação. “O dono colocou uns cartazes avisando que estava liquidando tudo, mas foi tanta a quantidade de gente que entrou comprar e falava para não fechar que os empregados formaram uma cooperativa. Portanto, a livraria ainda continua funcionando. Não fechou”, conta.
Alejandro é um homem movido por sua paixão pelos livros. Em todos os anos ele faz uma limpeza em sua biblioteca e doa os livros que não quer mais para uma biblioteca de seu bairro, prometendo à esposa que não vai comprar outros exemplares. “Mas no outro dia eu já apareço com um livro novo. Para mim, o livro é um carinho especial que tenho”, diverte-se.
Mesmo morando no Brasil por quatro anos, o livreiro Alejandro é crítico e diz que não existem livreiros por aqui. Para ele, os “livreiros” brasileiros não tinham conhecimento sobre os livros que a loja possuía nem sobre autores e traduções. “Ser livreiro é uma coisa, outra coisa é ser vendedor de livros. Não é a mesma coisa. Vender livros, qualquer um vende.”
Ao ser questionado sobre os livros digitais, Alejandro não se preocupa com o assunto. O ar de tranquilidade não muda ao afirmar categoricamente que o livro digital não é uma ameaça para o tradicional livro em papel, já que o povo argentino gosta de sentir o cheiro do livro. E não ouse falar sobre best sellers famosos com ele! Ao contar uma história de quando um vendedor ofereceu para que ele lesse a saga “Harry Potter”, Alejandro diz: “Prefiro reler os livros que já tenho em casa. Tem autores que não cansam”.
O orgulho toma conta de Alejandro ao falar sobre a capacidade que os livreiros têm de identificar o perfil de um leitor. “Livreiro é aquele que, quando entra o freguês, sabe mais ou menos o que ele pode estar procurando. Quando ele fala que procura tal autor e não tenho na loja, sugiro outro de um autor parecido”, diz.
Alejandro Marcos é uma enciclopédia viva sobre literatura. O senhor portenho cita autores e livros com a mesma facilidade com que fuma seu cigarro durante o dia de trabalho na Livraria Monk ou na Livraria Argonautas, ambas de seu amigo. “Quem entrou no livro e gosta dele é difícil de sair. É como o cigarro. É uma coisa de vício”, resume.

Alejandro Marcos sempre recebe turistas que buscam livros com preços mais atrativos. Foto por: Fernanda Miranda
Público específico
De volta à Avenida Corrientes, Rubem Gutierrez espera os clientes atrás do balcão da Livraria Lucas conversando com um colega. O livreiro trabalha na livraria desde sua inauguração, há 20 anos. Sempre com um sorriso no rosto, atende a todos que adentram o estabelecimento em busca de exemplares que proporcionem uma boa leitura.Rubem explica que a crise não é tão forte como se pensa e reitera que as livrarias estão na contramão dos demais comércios do país. “Meu companheiro abriu outra livraria em outra quadra da crise. Não é culpa da crise”, diz.
Mesmo sendo mais jovem que Alejandro Marcos e Luis Figueiroa, Rubem une-se à categoria de homens que fazem do livro mais que uma profissão. Para eles, o livro significa uma vida toda de dedicação à cultura. E esse é o papel dos livreiros portenhos: mudar a vida das pessoas e até mesmo a própria vida através dos livros.
BEATRIZ DE DEUS é jornalista e participou do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.