MALU MÕES BUENOS AIRES Crédito: Malu Mões Uma redação imensa, cheia de pessoas e com…
O eterno retorno de Athos Bulcão, Burle Marx e Oscar Niemeyer
FÁBIO BISPO, DE BRASÍLIA
Brasília está em ordem. Sempre esteve. Desde que surgiu como um oásis em meio ao Cerrado. E não estou falando da cidade que Renan, Cunha e Temer acham que podem chamar de sua. Brasília é muito maior. Mais antiga e duradoura que os velhos coronéis. Basta olhar.
Na semana passada –por ordem do presidente do Senado ou da Polícia Legislativa–, o Congresso Nacional ficou duas semanas fechado para visitação: “uma questão de segurança, poderiam ter pessoas infiltradas”, contou o guia que nos conduz pelos corredores do poder.
Não seria de duvidar que indignados tentassem adentrar a “casa do povo” num rompante contra as injúrias ao brasileiro. Muito menos seria suspeitar que não se protegessem lá dentro os que tentam incessantemente golpear a nação. Brasília é uma cidade de contrastes. De tensões permanentes.
Tudo ficou mais claro quando chegamos ao Salão Negro, única área comum às duas casas legislativas, separadas unicamente pela linha imaginária de Niemeyer: de um lado o Senado, do outro a Câmara Federal.
Brasília é um museu aberto de abstrações e simbologias. É na arte que a cidade se revela. E ela está por todos os cantos, do Salão Nobre ao cafezinho do plenário Ulysses Guimarães. Não nas linhas retóricas que fizeram com que Renan conseguisse dar uma volta no STF e permanecesse na cadeira, mas não na sucessão. São os traços de Athos Bulcão, que em pleno Salão Verde, com seu painel de azulejos no jardim interno da Câmara dos deputados, nos dá a dimensão do poder. Ou como “Muro Escultório”, que apesar de ser totalmente dinâmico permitindo outras posições das peças, permanece estático desde 1976. O jogo de movimentos infinitos é espelho do plenário que não é finito, tão pouco eterno.
Na obra sem assinatura de Di Cavalcanti, um enorme painel em óleo sobre tela que anuncia os “Candangos” em branco, preto, cinza e azul, representando a conquista pelos colonizadores valentes da cidade-monumento, lembramos que tudo ali é feito por homens. Não há margem para maniqueísmo. Somos pequenos de mais diante da subjetivação translúcida, e acústica, que reverbera o Senado nas 135 mil placas metálicas que melhoram a luz e o som do Plenário com a cúpula virada para baixo, outra obra de Athos Bulcão, autor também do painel metálico atrás da mesa diretora da Casa.
Mas as marcas do modernismo não acabam aqui. A valsa fúnebre do Salão Negro, que vaza para os jardins de Burle Marx –repleto das espadas de São Jorge, conhecidas por trazerem proteção e a força do santo militar– e alcança a pretensão máxima de Oscar Niemeyer e Lucio Costa ampliando a escala da obra de arte: criaram Brasília, de traçado retilíneo e forma de avião, “um dos mais ricos territórios do mundo”, tal qual afirmou Juscelino Kubitschek quando oficializou a nova capital federal. Com suas asas Sul e Norte, a impressão até poderia ser de que o Plano Piloto fosse decolar –no sentido mais literal da palavra. Mas Brasília nunca vai a lugar algum.
A visitação ao Congresso foi reestabelecida numa sexta-feira calma que precede mais uma semana de fortes enfrentamentos em Brasília. É possível que os portões sejam novamente fechados aos visitantes e as obras que contam a história da política brasileira fiquem novamente reservadas aos funcionários que circulam pelo prédio. Se isso ocorrer deve ser temporário.
Ou você acredita que a dilapidação do país sobreviveria aos olhos auspiciosos de Ruy Barbosa, cujo busto está logo acima da cabeça daqueles políticos. Não há PECs, decretos e manobras capazes de atravessar o eterno. Eles passarão, Brasília não.
O prédio do Congresso é tombado como peça urbanística dentro da escala monumental do projeto do Plano Piloto, que foi considerado como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco em 1987. Em 2007 a estrutura arquitetônica do edifício também foi tombada.
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