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Internet depende de conteúdo de boa qualidade, diz executivo do Google

O Google está agindo em várias frentes contra as notícias falsas, da retirada dos produtores de “fake news” de sua plataforma publicitária à adoção de checagem. Quem conta é Richard Gingras, 65, vice-presidente de News da empresa de tecnologia.

É ele a referência do Google para jornalismo. Diz que há interesses em comum com as organizações jornalísticas, mais do que elas teriam com redes sociais como o Facebook. E defende projetos conjuntos –como aconteceu com o AMP, visando acelerar o acesso às páginas.

Gingras não aceita que o próprio Google seja, hoje, mídia. “Não somos o editor do mundo”, afirma, sublinhando sempre a busca de parcerias. Ele está em São Paulo neste fim de semana para o Newsgeist, um evento do Google para discutir o futuro do jornalismo.

 

Folha – A associação de mídia jornalística do Reino Unido acaba de solicitar investigação do papel que Google e Facebook representam no fenômeno das notícias falsas. É referência aos incentivos financeiros para produtores de notícias falsas. Quais são os passos que vocês já tomaram, no Google, para cortar esses incentivos?

Richard Gingras – Antes de mais nada, é claro que as notícias falsas são um problema. Não são um problema novo. Podemos ter criado um novo nome, mas é claro que existem pessoas se expressando na internet com fatos deturpados há muito tempo. É claro também que se tornou mais significativo no último ano devido aos ciclos eleitorais. É uma questão importante, a ser tratada. No Google, o objetivo com o Google Search, com qualquer dos nossos serviços, é apresentar a informação mais útil e de maior autoridade, seja qual for o assunto. Fazemos isso ao redor do mundo, bilhões de vezes por dia, com máquinas. Elas não são perfeitas, nunca serão. Não ficamos felizes, é óbvio, quando temos falhas, quando aparecem conteúdos que não são precisos. Procuramos enfrentá-las, com a sintonia dos algoritmos. É algo que sempre faremos, porque o ecossistema muda o tempo inteiro e sempre há atores procurando enganar os algoritmos. Sempre foi um jogo de gato e rato.

No lado da publicidade, isso também não é nada novo, nós temos feito isso há bastante tempo. Há alguns milhões de empresas e veículos que usam nossos sistemas de publicidade. Não é surpresa que sempre haverá alguns que estejam usando com propósitos perversos. Portanto, ajustamos os nossos esforços nesse sentido. Há pouco colocamos 600 deles em aviso prévio, pelo que avaliamos como comportamento inadequado. E 200 nós retiramos inteiramente do nosso sistema de publicidade.

Ao redor do mundo?

Sim. De novo, é uma luta em andamento. E temos que ser cuidadosos com o que fazemos, principalmente em relação ao Google Search. Nosso trabalho é apresentar o conteúdo mais útil e de maior autoridade e nem sempre conseguimos. Não somos o editor do mundo. O nosso papel não pode ser determinar e definir a verdade. Ninguém espera que façamos isso. Muitas vezes a liberdade de expressão inclui expressão que pode não ser confortável para nós. Ou seja, há muitas linhas cinzentas. Quando uma pessoa faz uma busca, não é nosso trabalho dizer no que ela deve acreditar. É nosso trabalho oferecer conteúdo o bastante, de diferentes perspectivas, para colocá-la no caminho para uma melhor compreensão. Um caminho em que seu próprio pensamento crítico se desenvolva, na esperança de que chegue à melhor conclusão possível.

Além do lado financeiro, como o Google e os veículos jornalísticos podem trabalhar em conjunto para minimizar o alcance das notícias falsas? É só checagem [fact-checking] ou tem mais?

Há uma série de coisas. Vivemos num mundo diferente, num sistema digital de expressão diferente do que jamais tivemos. Eu vejo as notícias falsas como sintoma de um problema maior, de populações significativas ao redor do mundo perdendo o sentido de conexão, perdendo a confiança em seus governos, em instituições como a imprensa. São desafios difíceis. É responsabilidade de todos nós, inclusive do Google, repensar como o jornalismo se apresenta, de forma a recuperar o respeito e a credibilidade que merece. Como evoluímos em contar histórias, como usamos jornalismo de dados, por exemplo, para fazer um trabalho melhor nesse sentido.

Uma dessas formas é a checagem. Nós começamos no segundo semestre do ano passado, antes da eleição. Não é checagem feita pelo Google, mas por terceiros ao redor do mundo. Lançamos há pouco também aqui no Brasil, na Argentina e no México. Achamos que isso é muito importante e vamos expandir através dos nossos produtos e serviços, para ajudar os usuários a separar fato de ficção. Não é importante só para notícias. Você pode fazer uma busca sobre saúde no Google e encontrar informação imprecisa. Por exemplo, muitas pessoas dizem por aí que as vacinas não são seguras. O que diz a ciência? Como podemos trazer informação com autoridade que ajude as pessoas a chegar à conclusão correta. Não são desafios fáceis e eu penso que vão demandar esforços de todos nós no mundo do jornalismo, plataformas inclusive. Na questão das notícias falsas, só para resumir, três coisas…

Sim.

Uma é que, sim, nós sentimos a responsabilidade de garantir que estamos fazendo a coisa certa. Algumas vezes os nossos sistemas não funcionam da maneira que gostaríamos. É nossa falha. Os algoritmos não são perfeitos, mas é nosso trabalho garantir que enfrentemos essas questões quando elas surgirem. Segundo, nós e outros, que fornecemos plataformas e sistemas de publicidade, precisamos continuar vigilantes para assegurar que esses sistemas não sejam usados por pessoas que falseiam sua identidade ou têm alguma intenção espúria. É uma batalha em andamento. E terceiro, tão importante quanto, vamos continuar a trabalhar com a indústria jornalística, de modo colaborativo, para ver como avançar, para desenvolver novos formatos, novas abordagens, por exemplo, em jornalismo de dados. Para ajudar os usuários e cidadãos a voltarem a desenvolver confiança na instituição da imprensa e em seu papel na sociedade. É importante para nós fazermos o nosso trabalho para isso acontecer.

O vice-presidente de News do Google, Richard Gingras, em entrevista à Folha. Foto por: Giovanni Bello/Folhapress
O vice-presidente de News do Google, Richard Gingras, em entrevista à Folha. Foto por: Giovanni Bello/Folhapress

O projeto AMP [Accelerated Mobile Pages], que nasceu em colaboração com a indústria jornalística, acaba de entrar no mercado chinês, através do Baidu e do Sogou, os dois buscadores mais populares no país. O que isso significa para o Google, que vem enfrentando obstáculos na China, a exemplo de outras empresas de tecnologia?

Obviamente, estamos encantados que o Baidu e o Sogou tenham entrado no AMP também. É um projeto de código aberto, ou seja, eles concluíram que a abordagem de arquitetura do AMP é bastante sólida e satisfatória para os seus interesses. Eu acho magnífico, porque é claro que acrescenta maior impulso ao esforço. Haverá mais desenvolvimento por terceiros. Esse é um dos maiores projetos de código aberto já vistos, em termos de participação. São nove mil desenvolvedores. Ou seja, é maravilhoso ter essas grandes instituições envolvidas. É bom para o ecossistema como um todo. Com o AMP nós começamos um esforço, um ano e meio atrás, objetivando refazer um pouco a arquitetura da web, de maneira inteligente, para recuperar o desempenho de quando começamos a surfar a web. Como tornar a web rápida de novo? Como tornar o ambiente publicitário mais respeitoso dos usuários, para que ele possa continuar a ajudar na sustentação dos esforços jornalísticos? O projeto é um empenho extraordinário no sentido de manter um ecossistema saudável e aberto para os editores e autores de todo tipo.

O AMP nasceu num evento Newsgeist, que agora chegou a São Paulo, pela primeira vez na América Latina.

Sim, nasceu das discussões num Newsgeist em Helsinque, na Finlândia, em maio de 2015. Essas “anticonferências”, que começamos há uns seis anos, não têm agenda específica. O que tentamos fazer é juntar pessoas interessantes envolvidas com jornalismo, “publishers”, editores, repórteres, jornalistas de dados. Não só de nível sênior, mas também jovens que vão lá desafiar o que pensamos. É muito produtivo. Não sei o que vai sair deste fim de semana, mas obviamente há muitos temas importantes, conforme a sociedade digital evolui. Como o jornalismo vai mudar? É a minha grande pergunta hoje, diante do quanto a nossa sociedade e cultura mudaram devido à internet. A maneira como consumimos informação é diferente, a maneira como formamos opinião é diferente. É necessário que o mundo do jornalismo, do qual eu me considero parte, repense como pode executar da melhor maneira o seu papel, para garantir aquilo que sempre acreditei ser o objetivo do jornalismo: Informar as pessoas para que sejam bons cidadãos quando forem votar, quando forem desempenhar as suas próprias responsabilidades cívicas.

Em entrevista ao jornal, Alan Rusbridger, ex-editor-chefe do “Guardian”, falou bastante do Google e do Facebook e do fato de que as organizações jornalísticas não têm como evitar um pacto com o diabo, com ambos. O Google também vê assim? Google e os veículos estão fadados a achar áreas de interesse em comum, inclusive em publicidade?

Eu penso que há muitas áreas de interesse em comum entre o Google e as organizações jornalísticas. E considero meu trabalho expandi-las. Uma é que o Google e os veículos têm alguns objetivos comuns. Ambos acreditamos na importância de ter um sistema aberto para expressão, que é a web. É importante para o Google, porque nosso maior produto, Google Search, depende da existência de um ecossistema rico de conhecimento. Nossas plataformas de publicidade, que é onde fazemos dinheiro, são usadas por milhões de veículos na web, então é importante que esse ambiente seja aberto e vibrante e sustentável. E é o mesmo para os veículos. Esse ambiente aberto é crucial para o seu futuro, para a sua capacidade não só de servir a audiência que têm hoje, mas para encontrar novas audiência para os produtos que vão desenvolver. Num ambiente aberto, não num ambiente que seja limitado pelas paredes de uma rede social, por exemplo. Nós temos esses objetivos comuns e vamos continuar a trabalhar em todas as dimensões, tecnológicas, de formatos de mídia, de abordagem publicitária, para fazer com que aconteçam.

Como você vê os “paywalls” que passaram a ser erguidos nos últimos cinco anos por algumas das melhores organizações jornalísticas? É um problema para essa web livre que o Google defende?

Não, eu não penso assim. Veja, conteúdo de qualidade é vital para o ecossistema. Nem todo conteúdo pode ser sustentado só por publicidade. Seria bom, mas pelo menos hoje não parece ser o caso. Portanto, a ideia de ter receita com assinaturas é crucial. E obviamente há muitas organizações jornalísticas que fazem trabalho de qualidade, para o qual uma assinatura é muito apropriada. Para ser franco, também estamos trabalhando com veículos para ver como podemos ajudar a refinar esses modelos. Há várias abordagens para “paywalls” e há quase sempre uma porosidade nos muros. Sim, muito do conteúdo pode ser restrito para assinantes, mas sempre há mecanismos para o conteúdo que mereça ser mais acessível. Eu acredito que é uma dinâmica bastante válida no ecossistema.

Em lugar nenhum está escrito que a informação precisa ser grátis. Pode ser algo desejável, mas não que precise ser ou possa ser. Como todos sabemos, a tarefa jornalística não é fácil de realizar. Jornalistas fazendo trabalho duro, determinado, esforços caros, isso preciso ser pago. E é improvável que vá ser pago inteiramente por publicidade, então as assinaturas são importantes. Tem sido ótimo ver o avanço que muitas instituições fizeram, nesse sentido. O “New York Times”, por exemplo, chegou a dois milhões de assinantes digitais, 200 mil no último trimestre.

Rusbridger afirma que se pode entender Google e Facebook, por causa da escala em que trabalham. Como afetam bilhões, é mais difícil achar uma resposta editorial só mudando algoritmos. Existirá lugar para a edição humana no Google Search ou no YouTube, em algum momento? Mais: Quando será possível falar do Google como organização de mídia?

[Risos] Se existe um lugar para humanos no mundo algorítmico do Google? Com certeza. Você está olhando para um, e há milhares lá que têm sangue e ossos de verdade. Eles escrevem os algoritmos. Existe um forte fator humano no desenvolvimento dos algoritmos, mas nós de fato sentimos que nessa escala… Eu acho que o que Alan está sugerindo é se há um papel para editores humanos. Sobre isso eu respondo: provavelmente, não, simplesmente por causa da escala. O Google lida com bilhões de buscas por dia. Estamos falando de números que estão além do alcance de ter humanos interagindo. E para ser franco nós também queremos garantir que o que colocamos nesses algoritmos tenha bastante entendimento do ecossistema de forma a fazer bons julgamentos. Julgamentos que sejam, de certa maneira apolíticos. Eu sempre fui fascinado por pesquisas de usuários, e vejo muitas que dizem que o Google é a marca mais confiável. As pessoas confiam porque nós apresentamos diversidade de fontes. Isso é importante. Nós queremos que todos confiem, não só este ou aquele lado do espectro político.

O WikiLeaks acaba de divulgar novas intromissões do governo americano, em sistemas operacionais como o Android, do Google. Qual foi a sua reação a essa notícia? Ficou desanimado, pelo que já aconteceu antes e havia sido revelado por Edward Snowden?

Está havendo muita discussão sobre o que exatamente o WikiLeaks revelou. Longe de mim comentar os detalhes, porque não os conheço. Mas sem dúvida eu não acho que seja preciso WikiLeaks para entender que, no nosso mundo, há atores estatais, de vários tipos, bons, maus ou indiferentes, que estão fazendo o que podem para cavar as informações das pessoas. Novamente, para o bem ou para o mal, provavelmente ambos. É nosso trabalho, é claro, fazer o nosso melhor para proteger esses sistemas, seja o sistema operacional no seu smartphone ou como armazenamos os seus dados na nuvem ou como protegemos o seu e-mail. Nós temos, não é surpresa para ninguém, uma quantidade imensa de recursos envolvidos na segurança de nossos sistemas. E isso vai continuar sendo um imenso investimento da nossa parte. Novamente, é outra corrida armamentista, outro jogo de gato e rato.

Você acha necessário alcançar algum tipo de diretriz oficial ou global sobre privacidade digital?

Eu acho que, para aqueles de nós que acreditam em privacidade, em suas várias dimensões, sim. A minha própria visão é que, na sociedade de hoje, a privacidade é importante. No mundo de hoje a extensão da privacidade pode ser variada, não só limitada a sistemas digitais. Quer dizer, empresas financeiras têm o seu histórico de cartão de crédito há anos: como isso é usado? Sim, seria melhor para todos nós ter uma legislação adequada de privacidade, adotada mais consistentemente ao redor do mundo. Eu acho que é um objetivo muito bom. Na complexidade do clima político de hoje, seria interessante ver até onde alguém pode chegar com isso.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

Por: Nelson de Sá

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