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Pode parecer São Paulo

LÍGIA MORAIS, DE BUENOS AIRES

A jovem para, em dúvida, e pergunta sobre o caminho que deveria seguir pelo metrô. É nesse momento que meus dois anos de espanhol mais atrapalham do que ajudam e ela logo entende que não éramos dali. Passo a catraca, a escada, o vagão, a estação, a escada, a catraca; sempre no meio de uma multidão de estranhos. Depois de algumas horas a trabalho, apertar-se no fim de tarde entre os vagões argentinos lotados não parece um típico itinerário de turista. Como São Paulo ficou para trás, chega a ser lisonjeira a confusão daquela jovem.

Buenos Aires aparece, então, de cara limpa. Sem a maquiagem dos bairros populados por estrangeiros de passagem, emerge a rotina verdadeira da cidade. Parecemos amigas de longo tempo, depois de caminhadas irregulares, uma volta de ônibus e algumas taças de vinho. No final da Avenida de Mayo, duas meninas chutam a bola de futebol longe do gramado e pedem para que eu a devolva. Quase faço gol. Em um passeio desacompanhado pela cidade, com as mãos no bolso paro em frente aos muros grafitados, tentando entender o que me dizia um pequeno grupo de três senhoras. Balanço a cabeça em negativo, não sou da cidade.

Em uma quinta, as Madres de Plaza de Mayo caminham em círculos, levando na cabeça os lenços e, nas mãos, cartazes com palavras de ordem. Uma das militantes fala ao microfone, mas só escuto palavras soltas; por isso, passo debaixo da faixa que reclama mais empregos e me aproximo dos aplausos. Ela critica o governo neoliberal e diz, sem dúvidas, que nunca deixará de lutar por seus direitos – também bato palmas. Distraída com todo o movimento, entro na metade do enredo que o senhor ao meu lado contava. Dizia que uma jornalista italiana, quando visitara a Argentina, não conseguia entender as manifestações no país. Tentava, mas não entendia a grandeza daqueles movimentos. O senhor olha em volta, para os rostos todos intensos, e responde que é por causa do amor. Eu tento continuar a conversa em português e percebo a sua dúvida.

Da rua, assistindo ao bicentenário da independência argentina, arrepio ao ouvir milhares de gargantas cantando a mesma canção. Com uma câmera e um microfone, dois jovens passam e nos questionam sobre o evento – queriam uma entrevista. Não perceberam também a nossa origem não-portenha, mas logo descobrem que somos brasileñas, agradecem e seguem à procura de outros.

Menos de dez dias e já parece anos de Argentina. Do Jornalismo, lembro nas tentativas de me imaginar ocupando o lugar do outro. Como já disse, é a empatia. Só assim para entender as histórias, as rotinas, a vontade de protestos, a música; só assim para entender a paixão que tem esse povo.

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