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Os caminhos de uma luta sem fim

De onde veio e para onde vai o feminismo na Argentina?

ETHEL RUDNITZKI

DE BUENOS AIRES

 

A representatividade feminina na Argentina se mostra avançada logo de cara: foi o primeiro país latinoamericano a ter uma presidente mulher, em 1974, Isabel Martínez de Perón. Além disso, a cédula de dinheiro mais valiosa, de 100 pesos argentinos, estampa o rosto de uma figura feminina: Eva Perón.

Para garantir essa representatividade, diversos grupos de mulheres lutaram na história argentina. Hoje, há coletivos organizados, encontros anuais e manifestações frequentes nas ruas pelas causas feministas. Mas essa cultura de mobilização feminina vem de muito mais atrás.

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Mulheres na história argentina

O feminismo argentino data do final do século XIX e início do XX. Chamadas na época de sufragistas, as mulheres lutavam majoritariamente pelo voto universal e pelo fim da inferioridade jurídica que tinham em relação aos homens. Porém, pautas como a ampliação do direito à educação feminina e auxílio às mães desamparadas, também eram levantadas.

De 1910 a 1940, o movimento sufragista cresceu, contando com mulheres de classes sociais mais altas e até conservadoras. Assim, em 1932 a Câmara argentina aprovou o voto universal. Porém, só em 1947, com a influência de Eva Perón, esposa do então presidente, Juan Domingo Perón, a lei do sufrágio foi finalmente sancionada para que em 1951 as mulheres pudessem votar.

Com os diversos golpes de Estado que o país passou a partir dos anos 50, muitas manifestações políticas, inclusive as feministas, se desestabilizaram. Contudo, na ditadura militar dos anos 70 e 80, a luta das mulheres teve um papel muito importante. Nesse período, milhares de pessoas foram torturadas e mortas, e as mães desses desaparecidos protestavam em caminhadas na Praça de Maio para saber o paradeiro de seus filhos. Elas formaram uma grande voz para a queda dos militares, pois denunciaram os abusos de direitos humanos cometidos. Até hoje, essas mulheres se organizam nos movimentos Mães da Praça de Maio e Avós da Praça de Maio.

Desde então, a luta se fortaleceu. Encontros anuais de feministas chegaram a 50 mil mulheres e leis como a de proteção integral à mulher passaram no Congresso. Porém, atualmente, outras questões de direitos das mulheres estão mais em pauta e a internet  ajudou a mobilizar mais pessoas por essa causa. Os grupos ou coletivos feministas aumentaram em número e tamanho, mas três deles se destacam:

 

Integrantes do Coletivo Marcha de las putas exibindo seu lema. Foto por: Ethel Rudnitzki
Integrantes do Coletivo Marcha de las putas exibindo seu lema. Foto por: Ethel Rudnitzki

Marcha de las Putas

O grupo reúne mulheres ao redor do mundo para lutar pela liberdade dos corpos femininos. Está representado em países como Brasil, México, Estados Unidos, Canadá e Argentina. Anualmente, o movimento realiza marchas por diversas cidades, com pautas do feminismo moderno, como a legalização do aborto, contra os abusos sexuais e contra a diferença salarial entre homens e mulheres.

A reivindicação principal da Marcha de las Putas (ou Marcha das Vadias, em português) é entoada pelo grito “Nem as roupas, nem os costumes, nada justifica um abuso!”. O primeiro grupo surgiu no Canadá, após um policial dizer em uma conferência sobre segurança que as mulheres deveriam parar de se vestir como putas para acabar com os estupros. Assim, as mulheres se apropriaram do xingamento e se organizaram para pedir pelo direito de decidir sobre seus corpos.  

Por mais que seja um movimento de escala mundial, cada localidade da Marcha tem suas especificidades. No caso da Argentina, por exemplo, a participação masculina no feminismo é vista com bons olhos. Uma das representantes do grupo em Buenos Aires, Nor Zarate, explica que “É necessário ter consciência do feminismo tanto mulheres quanto homens, pois o machismo é uma cultura que afeta toda a sociedade. Se quisermos a mudança social, precisamos dos homens. Respeitando sempre que a luta deve ser levada a cabo por figuras femininas e minorias.”

Além disso, as mulheres se manifestam também sobre a política de cada país da Marcha. No caso da Argentina, avaliam o governo atual como desastroso. “Pensamos que Macri é um presidente publicamente misógino. De uma pessoa que disse há algum tempo que ‘As mulheres gostam dos elogios, mesmo que seja ‘Que bela bunda você tem’’, não se pode esperar algo bom.” Contudo, o governo anterior de Cristina Kirchner, também as decepcionou. “Foram 12 anos de governo nos quais foram feitas algumas declarações importantes, mas ficaram no que era cômodo. Por exemplo, o aborto não foi legalizado.”

 

Campanha pelo aborto se impõe em Buenos Aires. Foto por: Ethel Rudnitzki
Campanha pelo aborto se impõe em Buenos Aires. Foto por: Ethel Rudnitzki

Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito

Foi lançada em 2005 como uma campanha por um projeto de lei e tornou-se um grupo de articulação de mulheres ao longo do tempo. O movimento tem como principal reivindicação a legalização do aborto e organiza diversas manifestações por essa causa, unindo vários coletivos feministas (entre eles, a Marcha de las Putas) nas ruas, com abertura para a participação masculina.

Estima-se que, aproximadamente, 500 mil mulheres realizam abortos clandestinos na Argentina por ano, provando que a punição não é eficiente. Além disso, em países como o Uruguai, no qual o aborto foi legalizado, o número de mulheres que recorreu a esse procedimento diminuiu. Baseando-se nesses dados, a Campanha luta pelo fim da criminalização do aborto para, assim, diminuir as mortes de mulheres causadas por esse procedimento. Desde 2006, o grupo elaborou projetos de lei pela legalização do aborto que já foram votados 6 vezes no Congresso argentino, sem ser aprovado.

A co-fundadora da Campanha, Nina Brugo, defende a mobilização constante de mulheres em torno das causas feministas. “Temos que estar aqui para que as leis sejam cumpridas e outras sejam criadas. Os direitos das mulheres podem ser reversíveis: seguimos avançamos, mas se deixamos, retrocedemos. Isso porque a cultura patriarcal é muito resistente.”

 

Protestos contra os feminicídios. Foto por: Carolina Piscina
Protestos contra os feminicídios. Foto por: Carolina Piscina

#NiUnaMenos

A internet também foi importante para a articulação da luta feminista na Argentina. Prova disso é o movimento #NiUnaMenos, criado como uma “hashtag” nas redes sociais para lutar contra o feminicídio.

A cada 30 horas morre uma mulher nas cidades argentinas por questões de gênero, como violência doméstica e abusos sexuais. Essa é uma das taxas mais altas do mundo, mas não há órgãos oficiais para controle desses casos. Além disso, apesar de haver uma lei para atenção à mulher e linhas de assistência para aquelas que sofreram violência, há falhas, deixando o atendimento comprometido. Por isso as mulheres se mobilizaram.

No dia 3 de junho de 2015, o #NiUnaMenos foi às ruas levar suas pautas para além das telas dos computadores e gritá-las. “Fizemos um evento e uma data que entrou para o calendario dos direitos humanos e das feministas. Somar desse jeito é uma iniciativa de ousadia, de participação”, disse Marta Dillon, representante do grupo feminista. Desde então, o movimento só aumentou, articulando com a luta de outros coletivos.

A mobilização também ampliou suas pautas, pedindo não apenas pelo fim do feminicídio, mas por uma vida mais digna e segura às mulheres. Marta explicou que “em 2015, o #NiUnaMenos era quase uma luta nua pela vida, pelo direito de respirar, de comer. (…) Esse ano, as lutas se aprofundaram, agora dizemos também #VivasNosQueremos, reivindicando as múltiplas maneiras de viver das mulheres.”

O feminismo na Argentina é um movimento que promete. A organização de pessoas em torno das causas das mulheres e a pressão que elas fazem nas ruas (ou em seus computadores), pode mudar a situação de violência patriarcal. Assim como conseguiram o direito ao voto, ao divórcio, à assistência social, as feministas devem conseguir a sua autonomia, o fim do feminicídio e dos abusos sexuais, e a legalização do aborto.

 

ETHEL RUDNITZKI é jornalista e participou do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.

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