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Leitura no Brasil ainda tem caráter utilitarista, apontam especialistas

Congresso Internacional realizado em São Paulo discutiu aspectos da palavra, cultura e arte na primeira infância

Os desafios da escola brasileira vão muito além de apenas criar novas vagas nas escolas e alcançar altos índices de aprovação. Para se ter uma ideia, segundo pesquisa divulgada pelo Banco Mundial no início de março, levaremos 260 anos para alcançar o nível de leitura dos países do primeiro mundo. Reverter este quadro é uma urgência que, segundo especialistas, passa pela maneira que o país educa os mais novos. “Ainda tratamos a leitura como forma de acessar outros conteúdos, e não como algo que permite o crescimento humano, a ampliação de universo e a valorização do outro e da diversidade”, conta Patrícia Diaz, diretora do Cedac (Comunidade Educativa), que atua na formação de professores em todo o país.

O assunto foi tema do Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura na 1ª Infância, realizado entre os dias 13 e 15 de março, em São Paulo. Promovido pelo Instituto Emília e Comunidade Educativa, em parcerias com o SESC São Paulo e a Fundação Itaú Social, o seminário de três dias buscou reunir especialistas da América Latina e da Europa, abordando diferentes aspectos relevantes na formação dos pequenos e seus impactos na sociedade atualmente. Pesquisas apontam que os níveis educacionais de uma criança de 6 anos que teve acesso à literatura e à cultura de forma mais intensa pode ser 60% maior do que daquelas que não tiveram a mesma oportunidade.

Para os especialistas, a virada que o país e o mundo precisam depende de uma revisão dos métodos de ensino, da necessidade de se resgatar didáticas perdidas e, acima de tudo, de tratar a educação como tema prioritário. “Em alguns países da Europa e na própria Espanha temos bons índices de alfabetização, mas mesmo lá isso ainda funciona como uma questão subsidiária, da economia e de outros setores da sociedade. Nossos governos não estão fazendo o que deveriam, que é colocar a cultura e a arte na educação como questões centrais”, apontou a espanhola Beatriz Sanjuán, especialista em promoção da leitura e literatura infantil e professora da Universidade de Oviedo, que também ministrou oficinas para educadores – mostrando que há outros caminhos para o uso do livro e da literatura para crianças.

“Necessitamos do suporte de toda a sociedade. É preciso uma revalorização da educação como um todo, não apenas como algo funcional. Por isso a importância de fóruns que abordem a leitura, a arte e a cultura na primeira infância, para que as pessoas saibam que não são coisas assessoriais, mas sim o ponto principal. Isso é o primeiro que temos que assegurar”, emenda Beatriz Sanjuán.

Para a argentina Maria Emília Lopez, especialista em leitura e educação na primeira infância, é preciso não confundir ampliação do ensino com assistencialismo. No Brasil, por exemplo, o Plano Nacional de Educação previa até 2016 a universalização do ensino infantil para crianças entre 4 e 5 anos, o que não ocorreu ainda.

“Algo que é fundamental de se pensar é a força que as instituições têm [na formação de novos leitores], sobretudo para os mais novos. Mas há que se tomar cuidado para isso não se limitar a um assistencialismo, porque aí ignoramos o aspecto central desta discussão”, declarou Maria Emília.

Ampliação da rede e formação continuada

Em um país onde a maior parte das crianças só tem acesso à educação através do ensino público, o papel da escola na formação de jovens leitores é essencial e imprescindível, aponta Patrícia Diaz.

Para isso, não basta construir creches; é preciso também atenção aos métodos de ensino, à formação continuada e às características próprias de cada região. “A escola tem um grande papel, pois é ela quem pode oferecer algo que talvez muitas [crianças] só vejam lá. Se determinadas experiências não ocorrerem ali, nós não podemos depender de que algumas famílias possam oferecê-las e outras não”, diz Patrícia.

Para ela, por mais que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) aponte que o cuidado da criança é responsabilidade de todos, a maior parte dessa responsabilidade ainda se concentra no poder institucional que os governos exercem sobre o ensino.

“O estado tem grande responsabilidade de oferecer condições de nossos professores se formarem como leitores também, pois vimos no seminário que professores que não são leitores não formarão novos leitores. Por parte das políticas públicas e dos governos falta a garantia das condições de trabalho, como a falta de espaço coletivo nas escolas. Por mais que isso esteja assegurado em lei, na prática é muito difícil de acontecer”, explica Patrícia.

A pedagoga aponta que existem boas experiências, como a apresentada por Bel Santos Mayer, que conseguiu desenvolver uma biblioteca comunitária no distrito de Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo, que hoje serve de exemplo para outras iniciativas no país.

Projeto social quer levar livros para beneficiários do Bolsa-Família

Um dos principais programas de distribuição de livros no país, o “Leia Para Uma Criança”, da Fundação Itaú Social, deve sofrer uma remodelação já partir deste ano. Anualmente, o projeto elege dois livros infantis para distribuir a quem os solicita através do site da instituição.

Angela Danneman, superintendente da Fundação, disse que o programa buscará, a partir de agora, ter como foco os beneficiários do Bolsa-Família. Segundo ela, o fato de as inscrições para o programa ocorrerem somente pela internet acaba por excluir parte da população que não tem acesso à rede mundial de computadores, fazendo com que regiões como Norte e Nordeste tenham uma demanda menor de pedidos. Criada em 2010, a iniciativa já distribuiu cerca de 45 milhões de livros infantis à população.

“Estamos construindo novas metas e pretendemos ampliar o envio de livros em pelo menos 25% a mais no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. O que percebemos é que os pedidos deixam muito claro que é uma questão que depende do acesso à internet. Nossa meta é atingir a proporção da população. Quebrar o desequilíbrio é o primeiro passo, depois vamos fazer o processo afirmativo, mandar mais para quem precisa mais”, disse.

A saída mais adequada pela organização foi o de incluir na lista do programa os cadastrados no Bolsa-Família, que representam parcela da população mais necessitada.

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