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Caminhando pela história e até a próxima

Nada melhor do que andar a pé pelas ruas de uma cidade para conhece-la melhor. Sentir a energia das pessoas, ouvir a língua do dia a dia, sentir os cheiros e ouvir o barulho de centenas de pessoas vivendo suas vidas. Melhor ainda quando a caminhada vem acompanhada de uma boa dose de história, atualidades, antropologia e cultura geral.

Nicolás é sociólogo, historiador, conhecedor profundo de Buenos Aires e muito, muito gente boa. Foi nosso guia pelos caminhos secretos da cidade portenha. Desde um pátio dentro da Manzana de las Luces – um dos únicos edifícios do período colonial que ainda sobraram, o antigo monastério também foi lar da primeira faculdade, primeiro parlamento e primeiro centro de pesquisa da cidade e agora é um mercado livre e uma área comum para passear – até o famoso banco onde pudemos tirar foto com a Mafalda.

Quando soube que ainda não havíamos visitado lugares-chave da cidade, não se conteve. “Mas como assim não foram a Puerto Madero? Como assim não conheceram a Mafalda?”. Acabou alterando e aumentando a rota de seu tour cultural para nos levar ao maior número de locais possível, e ainda deixou a bronca, pois o tempo era curto: “E amanhã devem ir à Recoleta conhecer o túmulo de Evita, não podem ir embora sem ver!”

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Em um portunhol que de vez em quando resvalava para o inglês, Nicolás nos contou a história da cidade, desde a chegada dos espanhóis. Da Manzana de las Luces, fomos à Catedral Metropolitana de Buenos Aires, onde está o Mausoléu dedicado a San Martin, heroi da Argentina, do Chile e de outros países latino-americanos por ter sido o general que liderou a guerra de independência e derrotou os espanhóis. San Martin de santo não tem nada além do nome; nem católico era. O heroi era maçom, e o pedido do governo para que o general mais famoso descansasse na catedral mais famosa não agradou à igreja. Construíram o Mausoléu numa alcova, fora do caminho principal dos fiéis. Fica na igreja, mas não fica.

De lá, parada obrigatória na Plaza de Mayo. Lembram que o universo conspira? Pois bem, era quinta-feira, dia da marcha semanal das Madres. Enquanto Nicolás nos contava a história do movimento, pudemos ver com nossos próprios olhos a garra das mulheres que, décadas depois da ditadura, ainda lutam para saber o que aconteceu com seus filhos. Pudemos escutar as palavras de ordem, os discursos apaixonados e a voz reverberante de um senhor que chamava os nomes dos poucos que foram encontrados, e as dezenas de vozes que entoavam em seguida “presente”.

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Passamos então para o local onde Evita criou sua primeira fundação, hoje uma faculdade de engenharia. Logo atrás, o prédio onde hoje se encontra o museu dedicado a ela, infelizmente fechado por conta do feriado. Na calçada em frente a uma delegacia de polícia, podemos ler que no porão do estabelecimento havia funcionado por um tempo um dos centros de detenção e tortura da ditadura. As palavras semi-apagadas pelas centenas de pés que passam por ali são o único reconhecimento que o local deu a seu passado sombrio.

Então, Puerto Madero, antigo porto de contrabando e hoje uma das zonas turísticas mais abastadas da cidade. O sol caiu enquanto tirávamos fotos e já era noite quando chegamos na Mafalda e nos despedimos de nosso guia tão solícito. O passeio que era para durar 3 horas, durou mais de 5. Com pés doendo, mas com muita história para contar, voltamos ao hotel pois tínhamos trabalho a fazer. Matérias para terminar.

No dia seguinte, era feriado, comemoração dos duzentos anos da independência argentina (que, na verdade, é no sábado, dia 9, mas foi antecipado para que os argentinos pudessem aproveitar mais as celebrações). Mas para nossos participantes, não era feriado coisa nenhuma. O pessoal trabalhou muuuuuitoooo. Era dia de fechamento de matéria, passar para a editora Claudia Rossi fazer as últimas revisões antes da entrega final no sábado.

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Quem ia acabando, ia sendo liberado para aproveitar (um pouco) o feriado. Continuamos nosso passeio histórico indo até o Cemitério da Recoleta (altamente recomendado por Nicolás) e visitando o túmulo de Evita. Tarefa mais difícil do que parece, a Ketlyn conta como foi:

Estava curiosa para ver o túmulo de Eva Perón, símbolo da Argentina. Nicolás, o guia turístico do dia anterior, tinha dito que o local onde Evita foi enterrada não tinha nada de grandioso como acontecia com as outras famílias. No mínimo contraditório.

Eva está enterrada em um lugar difícil de ser localizado dentro do cemitério (perguntamos a várias pessoas onde estava a sepultura antes localizarmos). No caminho dava pra ver alguns túmulos vazios, outros destruídos e alguns caixões destampados – o que causava certa aflição. O passeio era acompanhado por alguns gatos que costumam rodear o lugar.

Por ser o mais simples, o túmulo de Eva é também um dos mais bonitos na minha opinião. Meio escondidinho, representa a família “Duarte”. Tem placas em homenagem a ela, além de flores de plástico que dão um colorido especial ao preto predominante.

Nicolás também contou que a população argentina ficou dividida na época de sua morte. Enquanto alguns civis sofriam, outros pichavam “Viva o câncer”, causa da morte de Eva, nas paredes da cidade.

Viva ou morta, Evita Perón é um símbolo difícil de ser esquecido. Mesmo escondida entre becos de concreto, ainda é o principal motivo para essa curiosidade toda de quem visita a Recoleta.

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À noite, nos juntamos aos milhares de portenhos que se reuniram em frente ao teatro Colón e na Avenida 9 de Julio para assistir à celebração em homenagem aos duzentos anos de independência. Foi de tirar o fôlego. O teatro se acendia com luzes em um show multimídia, enquanto no palco abaixo, atores, dançarinos, cantores e artistas de todo o tipo iam se apresentando, performando a história e a cultura argentina desde a primeira chegada dos espanhóis em 1526. Quem havia lembrado de trazer os crachás do curso, foi na cara e na coragem e conseguiu entrar na zona especial reservada à imprensa. Quem não lembrou, teve a chance de assistir um espetáculo à parte: o povo argentino.

Verdadeiro estudo sociológico estar no meio da multidão. Em minutos notamos diversas discrepâncias com o Brasil: a quietude da multidão, que não se abalava ou se manifestava mesmo com a demora do início do show, a quantidade enorme de pessoas idosas enfrentando o frio e as muitas horas de pé pela sua pátria, a falta de bebidas alcoólicas sendo vendidas, a animação comedida da população, que mesmo nas músicas mais populares apenas cantava junto baixinho, nada como a multidão dançando, pulando e se mexendo muito a que estamos acostumados no Brasil.

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A simples existência da celebração e a incrível quantidade de pessoas presentes – um mar sem fim para todas as direções – já é algo que não se vê no Brasil. Não costumamos sair para a rua para comemorar a independência de forma tão ferrenha e apaixonada, enrolados em bandeiras e ponchos e cantando o amor à pátria. Cada povo elege os mitos que representarão sua identidade.

Terminado o estudo sociológico, mas não o show. O frio e o cansaço acabaram vencendo e voltamos ao hotel para ver o resto pela televisão e arrumar os últimos detalhes das matérias.

Sábado é dia de trabalho, trabalho, trabalho. Escolher fotos, passar as matérias para a equipe de redação, como assim teve gente que ainda não escreveu? Ai, ai, ai…

Deu tudo certo. Todos com matérias finalizadas, que você pode (logo mais) conferir aqui no site. A reunião de fechamento, para comemorar, foi ao ar livre, na praça San Martin. Agora estão todos liberados para fazer o que quiserem, e, com menos de 24h antes de deixarmos Buenos Aires, vamos aproveitar com a sensação de dever cumprido.

A saudade aperta forte. Mesmo antes de ir embora, queremos mais Buenos Aires. Quem sabe nos encontremos todos novamente nessa cidade no ano que vem? Ou antes até, em Brasília, para o Jornalismo & Poder?

Por agora, nos despedimos, e até a próxima vez!

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