MALU MÕES BUENOS AIRES Crédito: Malu Mões Uma redação imensa, cheia de pessoas e com…
¡Que se experimente a todo!
HELENA CENEVIVA, DE BUENOS AIRES
A manhã mais parecia noite quando, às 6h, levantei para tomar banho. Queria reler minhas anotações sobre a Argentina para garantir que fosse ter propriedade na hora de pensar e falar sobre o assunto. Tudo estava silencioso e o dia ainda estava escuro quando recolhi minhas coisas para sair pela porta. Encontrei o grupo às 8h na sala de reuniões de um hotel bem perto de onde estou. O caminho foi curto, poucos minutos à pé em um vento agradavelmente gelado. Nos reunimos para anotar os avisos iniciais, compartilhar pautas e conversar um pouco sobre pontos importantes sobre a história argentina.
Depois do almoço, nos dirigimos ao Clarín, jornal argentino fundado por Roberto Noble em 1945. De grande repercussão nacional, também tem projeção internacional importante, encontrando-se na posição de terceiro veículo impresso de maior circulação na língua espanhola.
Pudemos conhecer a redação do jornal e conversar com Juan Marcos, jornalista responsável pela produção móvel do Clarín. Com uma forma bastante piorneira de enxergar as novas formas e necessidades de comunicação, reiterou constantemente a necessidade de experimentar. Em uma área que se desenvolve e se transforma a velocidades difíceis de se acompanhar, colocou o poder do sucesso nas tentativas e nos erros.
Outro dos pontos para mim mais interessantes levantados por Juan foi a questão da qualidade dos cliques. No mundo digital, o alcance não necessariamente é a prioridade: diferente do que diz o senso comum, pode ser mais benéfico investir um público mais interessado do que optar por massas de cliques rápidos. Nesse sentido, é possível até realizar uma espécie de curadoria dos públicos digitais: selecionando grupos específicos, os conteúdos e suas formas assumem tal forma que são capazes de reduzir significativamente as taxas de rejeição.
Depois de inúmeras anotações e reflexões (muitas delas que certamente levarei a meu trabalho em São Paulo), nosso grupo se separou. Parte de táxi e a outra parte em direção ao metrô, íamos seguir com as atividades do dia. Ainda era cedo, então, à pé, fomos explorar a cidade. Em uma longa caminhada desde o Clarín, passamos pelo charmoso bairro San Telmo até a Plaza de Mayo. Conhecemos o exterior da Casa Rosada, uma espécie de casarão de cor curiosa toda protegida por grades de metal pichadas com palavras de ordem.
Caminhamos pela Nove de Julho, avenida que impressiona por seu cumprimento e sua largura. Ampla, decorada por um grande obelisco e por duas grandes letras “BA” (iniciais da cidade) em alguns momentos cheia de outdoors, parecia uma espécie híbrida de grandes vias de diferentes partes do mundo. Ouvindo a buzinas incansáveis e sendo atropelados por portenhos que tinham pressa, a volta para nossas acomodações nos ajudou a compreender mais um pouco do portenho que estamos tentando conhecer.
Com o saldo do final de dia, dentre tantas novidades, sei que duas delas me saltaram aos olhos com mais força. Em primeiro lugar, me impressionou o caráter político dos moradores de Buenos Aires. Com cartazes e impressões de protestos das ruas aos corredores da redação, com lojas de rua que homenageiam Perón ou com centros de apoio a Cristina Krichner, as mais distintas manifestações políticas parecem ilustrar o exercício cidadão diário dos argentinos.
Nesse sentido, não deveria me impressionar com as homenagens públicas às vitimas da ditadura militar argentina (1976-1983), mas não pude deixar de me surpreender. Tanto aqui quanto no Chile (mais especificamente na capital, Santiago, onde estive há poucos dias), o passado militar, longínquo ou não, deixa marcas no espaço físico e reforça um imaginário de lutas democráticas.
Ainda que algum distraído possa não ver os lenços pintados no chão em homenagem às avós da Plaza de Mayo, a localização estratégica da pequena estátua do lenço branco faz com que seja mais difícil ignorar a homenagem. Para ver bonita paisagem da alameda arborizada com a abóboda do Congresso Nacional ao fundo, é preciso colocar-se ao menos ao lado dessa peça central.
A moral do dia de hoje, quem diria, já teria sido enunciada logo no começo. Durante a tarde, Juan Marcos nos dissera: é preciso experimentar. Se à época da mais recente crise argentina o povo compartilhava um desejo pouco esperançoso (“¡Que se vayan todos!“), eu espero poder introduzir um novo mote: ¡Que se experimente a todo!
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