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“Somos sempre jornalistas”

É isso. Não há escapatória. Somos jornalistas em todos os momentos, de todos os dias, para o resto da vida. O que nós fazemos é também uma parte de nós, indissociável. Não no sentido de que jornalista não tira férias e trabalha 24h por dia sem descanso, mas no sentido de que mesmo nos momentos de descanso, o olhar de jornalista se mantém. Fazemos links, notamos pautas, acrescentamos à nossa formação a todo momento.

“Uma vez jornalista, sempre jornalista” é a forma como Joaquín Estefania, ex-repórter de economia e hoje diretor da
Escola de Jornalismo do El País, define não só a sua como a profissão e a vida de todos os que ingressam nessa área, e pelas histórias que conta é fácil perceber o porquê: sua paixão pela profissão é tamanha que ele respira jornalismo a todo o momento.

Quando ainda trabalhava como repórter, estava de férias na Grécia com a mulher e os filhos, quando eles ficaram sabendo que os ministros do país estavam se reunindo para tomar uma decisão em relação à postura do país frente às demandas da União Europeia para diminuir a crise na Grécia. No mesmo momento deixaram de ser turistas e foram para o local, ele e sua mulher, cobrir o evento. Quando a chance surgiu, pediu pelo cargo de diretor da escola porque queria a chance de passar para as próximas gerações de profissionais a sua experiência e aprendizados. Ainda hoje, carrega sempre consigo um caderninho, onde anota qualquer tipo de ideia que tenha – desde possíveis pautas a ideias para o desenvolvimento do curso a frases que acha interessantes.

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É perceptível o quanto sente falta do trabalho de rua, mas sua trajetória como editor de economia do jornal e agora diretor da escola o deram uma boa visão do outro lado do jornalismo, a parte empresarial. “A parte não glamourosa da nossa profissão, e que não podemos esquecer, é essa: todo jornal é uma empresa”, diz Joaquín.

É preciso pensar bem em qual carreira você quer seguir, se planeja se manter como repórter ou se almeja subir de cargo porque você vai agregando novas responsabilidades: aspectos empresariais e burocráticos, escolha de pessoal, tomada de decisões, reuniões. Mas mesmo quando estamos começando, precisamos conhecer a parte informacional, pessoal e empresarial de um jornal, pois nos relacionamos com elas todos os dias. Até mesmo ao escrever precisamos conhecer onde trabalhamos, o que o veículo defende, para saber quais podem ser possíveis impedimentos ao nosso texto. É preciso manter uma separação bem clara entre informação, opinião e publicidade.

Para conseguirmos realizar essas demandas, uma boa formação é a parte mais fundamental, segundo Joaquín, tanto se referindo à educação formal, de realizar bons cursos, quanto da formação que adquirimos todos os dias trabalhando na profissão. Mas, no fim das contas, “o bom jornalista precisa de 3 coisas: saúde, uma boa percepção e uma curiosidade infinita. Se meus alunos nem se incomodarem de ler as notícias pela manhã, preferiria que nem viessem à aula”.

IMG_2623Falando em aula, toda essa conversa aconteceu em uma das salas de aula do departamento da Escola de Jornalismo do El País, onde estivemos na manhã de quinta-feira. A conversa foi acompanhada de uma visita rápida à redação, que surpreendeu tanto pela sua organização como pela quantidade de mesas vazias. É a crise do impresso, como diz Joaquín, o El País nunca foi tão lido quanto hoje, mas nunca vendeu menos cópias impressas, o problema é que os anunciantes ainda não perceberam isso e o digital ainda não consegue sustentar as empresas jornalísticas, mas para ele tudo bem. “Nunca vi ninguém ser jornalista para ficar rico”, brinca, “o que importa é a paixão por contar histórias”.

E paixão por contar histórias é algo que todos os jornalistas que encontramos por aqui têm de sobra. Principalmente Francisco Figueroa, que desde segunda-feira acompanhou o grupo diversas vezes, e ainda estava tão cheio de histórias para contar que, durante à tarde, passou pela nossa redação para conversar mais uma vez conosco, dessa vez sozinho.

Tudo fez ainda mais sentido quando descobrimos que foi por causa de uma história que Paco resolveu que queria ser correspondente internacional. Quando era adolescente, leu no jornal uma notícia de um correspondente sobre a guerra no Marrocos e achou a história tão emocionante, que decidiu que era isso que queria fazer na vida. Entrou na agência EFE já dizendo que queria ser correspondente, e na primeira oportunidade que surgiu já se ofereceu, sem nem saber para qual país iria ser mandado.DSC_6998

Rindo, ele nos aconselha a nunca fazer isso, e diz que é muito importante pesquisar sobre o país para onde se está indo antes de chegar lá. De Portugal, ele veio para o Brasil, chegando no fim da época da ditadura para cobrir política e economia. Para Paco, a maior diferença é que, antes os órgãos oficiais não tinham uma estrutura de comunicação, eles apenas repassavam o contato da fonte que você queria, hoje, é tudo muito mais fechado e burocrático e eles só te passam a informação oficial, da qual você tem sempre que desconfiar muito.

Para cobrir política, é essencial se tornar “amigo” das fontes, falar com os ministros e com os candidatos a cargos, não importa o quanto pareçam insignificantes. Quando Lula estava pela primeira vez concorrendo à presidência e ninguém acreditava que ele iria ganhar, ele foi o único correspondente que se incomodou em ir conversar com ele. Uma vez presidente, Paco foi o primeiro e único correspondente internacional para o qual ele aceitou dar entrevista.

“A relação com a fonte, seja ela política ou qualquer outra, precisa ser de confiança, se você trair sua fonte minimamente, acabou”.

Paco sente muita falta da intensidade da vida de correspondente e admite que foi um erro ter aceitado um cargo deDSC_7001 diretoria tão cedo quanto o fez, porque é uma demanda completamente diferente e não há como voltar atrás. Para ele, lugar de jornalista é nas ruas, conhecendo o país com os próprios pés (ou carro, trem, ônibus), falando com gente, investigando. Fazer uma matéria do escritório, algo tão comum nos dias de hoje, é um “jornalismo de terceira”.

Eram muitas histórias para contar, tantas que Paco até brincou que parecia o personagem do avô que fica contando histórias para os netos. Mas que honra termos sido seus netos por um dia, queríamos que ele falasse mais duas, três, infinitas horas e nos contasse todas as suas histórias.

Claro que isso não era possível. Paco se despediu, distribuiu seu e-mail e garantiu que poderíamos sempre entrar em contato e foi embora. O grupo se dispersou, afinal, o tempo do curso está acabando e ainda há muitas coisas para se fazer, e ninguém consegue ficar parado depois de um dia inteiro discutindo a paixão do jornalismo.

Somos jornalistas. Sempre. E nunca iremos querer ser outra coisa.

Amanhã continuaremos a exercer nossa paixão aqui em Madri. Até lá.

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