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O que estudantes brasileiros na Argentina querem fazer após formados

Brasil lidera ranking de estrangeiros que estudam medicina universidades argentinas, mas nem todos pensam em voltar ao país natal.

A piauiense Rhayssa Hanna dá aulas para grupos de colegas de medicina da UAI. Crédito: Marcelo Mariano

MARCELO MARIANO

DE BUENOS AIRES

Se você, brasileiro, está em Buenos Aires e escuta alguém falando português pelas ruas da capital argentina, são grandes as chances de essa pessoa ser um estudante universitário que trocou a educação do Brasil pela do país vizinho.

De fato, o Brasil lidera o ranking de estudantes estrangeiros que estudam medicina nas universidades argentinas, com mais alunos do que os nove países seguintes somados, de acordo com dados de 2016 —os mais recentes— do Ministério da Educação da Argentina publicados pelo jornal La Nación.

Maior facilidade de ingresso e custo menor, inclusive em instituições privadas —nas públicas, são isentos de qualquer pagamento—, estão entre os principais atrativos.

Ao todo, 6.721 brasileiros buscam se formar em medicina na Argentina. Segundo colocado, o Peru exporta 1.523 alunos. O ranking dos dez primeiros países é completado, em ordem, por Colômbia, Chile, Bolívia, Paraguai, Equador, Haiti, Venezuela e Estados Unidos.

Dos 59. 706 alunos estrangeiros na Argentina, 12.240 querem ser médicos, o equivalente a 20,5%. Os dados apontam, ainda, que um a cada sete estudantes de medicina é de outro país.

Pode-se pensar que, para os brasileiros, cursar uma universidade na Argentina é temporário e o objetivo é retornar ao Brasil após a graduação. A maioria realmente vê o tempo no país vizinho como passageiro. No entanto, voltar para casa não é consenso entre os entrevistados.  

Lucas e Nicole, 28 e 24, respectivamente, que preferem não ter os sobrenomes divulgados, são do Rio Grande do Sul e desembarcaram juntos em Buenos Aires para cursar medicina inicialmente na Fundación Barceló, mas trocaram pela UAI (Universidad Abierta Interamericana), ambas as instituições privadas.

“Na UAI, os professores dão mais valor ao aluno. Somos mais felizes agora do que na Barceló”, dizem os gaúchos, que estão na Argentina há três anos e afirmaram não terem tido problemas de adaptação. “O sotaque, o clima e a comida são muito parecidos.”

Após se formarem, eles cogitam permanecer na Argentina, mesmo em crise, devido à maior segurança e qualidade de vida em relação ao Brasil. Contudo, o objetivo principal é a Europa. O diploma em universidades argentinas é reconhecido na Espanha, país com um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo.

Se um profissional formado em outro país quiser trabalhar no Brasil, será necessário validar o diploma por meio do Revalida, cuja última edição, em 2017, teve o pior índice de aprovação da história, segundo o portal G1. Dos 7.379 inscritos, apenas 389 foram aprovados, ou seja, 5,27%.

“O que me atrai no Brasil é o salário melhor. Se eu pensar na qualidade de vida, prefiro ficar na Argentina”

A baiana Aline Aragão, 37, é graduada em fisioterapia no Brasil e estuda medicina na UAI desde 2015. Ela se diz integrada à Argentina —prefere, inclusive, andar com suas amizades locais em vez de brasileiros— e afirma que só voltaria ao país natal por uma questão de dinheiro.

“O que me atrai no Brasil é o salário melhor. Se eu pensar na qualidade de vida, prefiro ficar na Argentina. A Espanha também é uma possibilidade”, conta.

Os brasileiros costumam dizer que os argentinos se fecham entre eles e dificultam a integração. Para Aline, porém, é o contrário. “Meus amigos argentinos dizem que são os brasileiros que se fecham e ficam falando só em português.”

Conterrânea de Aline, Eduarda Messias, 24, chegou um ano antes, mas relata ainda não ter se adaptado completamente. “Até hoje não me adaptei ao clima e a morar sozinha”, afirma. “Já fiz alguns colegas argentinos, mas não diria que são amizades.”

Eduarda, que começou a cursar enfermagem no Brasil e agora estuda medicina na UAI, ainda não fez planos para o futuro. Por outro lado, diz ter uma certeza: “Não me imagino mais em Salvador”.

Os namorados Mariana Rassi e Lucas Pereira se mudaram juntos para a Argentina no início de 2019. Crédito: Marcelo Mariano.

Mariana Rassi, 21, também estuda medicina, mas em uma instituição pública, a UNLP (Universidad Nacional de La Plata), localizada no município de La Plata, a 52 quilômetros do centro de Buenos Aires.

A UNLP registrava 11 alunos brasileiros em 2015. No ano passado, o índice passou para 566, de acordo com dados da BBC Brasil.

Natural de Goiás, Mariana foi aprovada em uma universidade privada em São Paulo, cuja matrícula era de R$ 12 mil, o que pesou na decisão de se mudar para a Argentina, onde não paga nada para estudar, no início de 2019.

Mariana foi para La Plata junto com seu namorado, o também goiano Lucas Pereira, 23, que está em processo de transferência do curso de Relações Internacionais que fazia no Brasil para a UNLP —enquanto isso, já pode adiantar algumas matérias.

Ambos têm pequenos problemas de adaptação —Lucas não aprova o “gosto da água” e Mariana acha a alimentação muito diferente—, mas descrevem situações distintas em relação à receptividade dos argentinos.

“Na minha turma, achei todo mundo muito receptivo. Os professores até incentivam a integração. Achei que seria diferente, mas quebrei um estereótipo”, diz Lucas, que até já encontrou um grupo de brasileiros e argentinos para jogar futebol.

Por sua vez, Mariana afirma que nota preconceito por ser brasileira e estar estudando de graça na Argentina. “Acho que há preconceito tanto por parte dos professores quanto dos alunos. Sempre há grupinhos de argentinos, que não deixam os brasileiros entrarem. No início, eu até tentei fazer amizades com algumas argentinas, mas, com o passar das aulas, elas se fecharam.”

O casal de namorados diz que, se algum argentino perguntar a eles se pretendem ficar no país depois de formados, a resposta será positiva a fim de evitar uma possível ofensa. “Uma vez um motorista de Uber perguntou isso a um amigo nosso, ele respondeu que não, e o argentino ficou bravo”, lembram.

Entretanto, os goianos, na verdade, não têm interesse em ficar na Argentina, mas também negam a possibilidade de voltarem ao Brasil. “Não queremos voltar por causa da falta de segurança. Nosso objetivo é ir para a Europa.”

Uma visão local

Juan Diego Coianiz, de Rosário, não vê problemas em estudantes estrangeiros em universidades argentinas. Crédito: Marcelo Mariano.

Juan Diego Coianiz, 26, vive em Villa Gobernador Gálvez, município dos arredores de Rosário, a 298 quilômetros de Buenos Aires, e estuda Relações Internacionais na Universidad Nacional de Rosário.

Para ele, não há problema em estrangeiros estudarem de graça nas universidades públicas argentinas. “O estrangeiro que estuda aqui também consome e, consequentemente, paga o IVA [Impuesto al Valor Agregado], o imposto que mais arrecada a nível federal, ou seja, ele financia os seus estudos na universidade pública por meio do pagamento de impostos”, argumenta.

Juan Diego é favorável à imigração de uma forma geral. Ele diz que “incentivar a imigração é incentivar o consumo dos mercados internos da Argentina”.

O estudante de Relações Internacionais compara o sistema educacional com o de saúde e aponta uma diferença que considera relevante. “No caso da saúde, há estrangeiros que usam o nosso sistema, mas moram em outros países, em cidades perto da fronteira. Eles não consomem na Argentina e, por isso, não pagam impostos.”

Na opinião de Juan Diego, o idioma pode ser uma barreira para uma maior integração entre brasileiros e argentinos. “A maioria dos estrangeiros é de países hispânicos e tem mais facilidade que os brasileiros porque já falam espanhol”, afirma. “Os brasileiros tendem a ficar mais entre eles.”

Mas o estudante diz que, no curso de Relações Internacionais da Universidad Nacional de Rosário, há uma brasileira com quem “foi fácil fazer amizade”.

Aluna e professora ao mesmo tempo

Crédito: Marcelo Mariano

Nascida no Piauí e criada no Ceará, Rhayssa Hanna, 22, chegou a Buenos Aires com 17 anos e logo arrumou uma maneira de se sustentar e ainda ajudar colegas de medicina da UAI.

Os estudantes costumam reclamar que a quantidade de aulas não é suficiente. Percebendo isso, Rhayssa, que já está no quinto ano de medicina, resolveu dar aulas para grupos em sua casa. As primeiras classes foram para amigos próximos, mas logo o negócio expandiu.

“Fiz meu nome nos primeiros anos. No início, confesso, fiquei nervosa. Agora, os alunos já vêm automaticamente. Comecei sem cobrar, depois cobrei 250 pesos por aula e hoje cobro 1.500 pesos mensais por aluno”, diz a estudante que pensa em seguir carreira na área acadêmica. “Meu primeiro plano é ir para a Espanha. Na Argentina, o salário não é bom. E não me sinto mais em casa no Brasil.”

Rhayssa só não dá aula às segundas-feiras. Em alguns meses, ela chega a ter 60 alunos. A reportagem acompanhou duas aulas de bacteriologia, cada uma com oito alunos —cinco mulheres e três homens em ambas. Só esses 16 alunos rendem a ela 24 mil pesos por mês, o que já paga a mensalidade da UAI, que é de 21 mil pesos.

As aulas são em português, mas as informações no quadro são escritas em espanhol. Os alunos são participativos e sempre ganham materiais didáticos, canetas personalizadas e até doces, como alfajores.

Apostilas que Rhayssa Hanna oferece a seus alunos. Crédito: Marcelo Mariano

Marcelo Mariano é jornalista e participou do “Jornalismo sem Fronteiras”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação e áreas correlatas a Buenos Aires para um mergulho de 10 dias no trabalho de correspondente internacional.

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