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O drama dos imigrantes em Buenos Aires

Em meio a maior crise Argentina, imigrantes sofrem com deportações e separação de famílias 

SOFIA SCHUCK

DE BUENOS AIRES

Protesto contra deportação. Crédito: Sofia Schuck

“Fiquei dois anos longe dos meus filhos pequenos e para mim a saudade foi muito grande, não consigo imaginar a dor que sentem os pais que estão sendo separados tão bruscamente”, foi assim que a coordenadora do movimento Barrios de Pie, Ruth Contreas, retratou o drama em que vivem as famílias de imigrantes na capital Portenã de Buenos Aires. Imigrante da Bolívia, ela largou tudo e veio para a Argentina com apenas 23 anos, em busca de uma cirurgia que poderia salvar a vida de seu marido. Deixou para trás sua família e seus dois filhos pequenos, pois não tinha condições de sustentá-los no novo país. “A decisão foi muito dura”, me contou, enquanto deixava escorrer algumas lágrimas. “Graças a deus estou com eles novamente. Agora imaginem as famílias que sofrem isso todos os dias… Quantos horrores mais o governo vai cometer?”.

 De acordo com o movimento Bairrios de Pie, os casos de deportações aumentaram muito no Governo Macri, que tem sido mais arbitrário nessas decisões, utilizando como justificativa a questão da segurança nacional: “Antes nós viam apenas como a população pobre, agora somos os imigrantes. Não nos veem com bons olhos, somos culpados de tudo que acontece de ruim, logo, somos vistos como delinquentes. Qualquer motivo é suficiente para nos mandarem embora do país”, lamentou Contreas. 

Foi o caso de Juan Rolon, imigrante do Paraguai, que teve que deixar o país depois de 30 anos morando com sua família em Buenos Aires. Já fazem seis meses que tenta retornar e não recebe respostas das autoridades. “Deixei três filhos pequenos, um trabalho estável. Tudo isso por conta de uma injustiça feita pela imigração. Não sou nenhum delinquente, nunca roubei nada, nunca violei nenhuma lei”, afirmou. Segundo ele, o motivo alegado foi uma acusação feita contra ele há 6 anos atrás e que já havia sido considerada uma denúncia falsa. “Não sei o que fazer, estou ficando louco… meus filhos precisam de mim, choram todo dia pois sentem muito minha falta”. A irmã de Juan, Graciela, reforça a injustiça no processo e afirma que não deram tempo nem dele fazer sua defesa: “Ele recebeu a notificação para comparecer ao departamento de imigração, aí pensou que fosse algum problema com seus documentos. A surpresa foi outra: em menos de um dia o enviaram em um avião de volta para o Paraguai”, contou. A família segue na luta.  

Juan e seu filho antes dele ser deportado da Argentina. Créditos: XX


Na Argentina, diferentemente do Brasil, a maior parte das favelas é habitada pelos imigrantes, principalmente que vem do Paraguai, Uruguai e Colômbia. “Com a crise, não conseguem trabalho, nem ao menos alimentar sua própria família. Se tornou um lugar de extrema pobreza. É comum termos apenas uma peça na casa: cozinha, quarto, sala e banheiro, é tudo junto”, explicou Contreas. No entanto, além de nas favelas, é muito fácil ve-los diariamente pelo Centro de Buenos Aires. Estão em toda parte: presentes nas avenidas principais como vendedores de rua ou trabalhando no comércio local. 

Os registros levantados pela organização do Bairrios de Pie indicam que são cerca dde 7.000 de imigrantes que estão em situação regularizada, no entanto, ainda há 1.500 em processo de deportação. Esses dados não estão sendo disponibilizados pela Direção Nacional de Imigração (DNI), órgão responsável do Ministério das Relações Exteriores. Este também é um dos motivos de protesto dos imigrantes, que reclamam da falta de informação e aviso prévio sobre os casos, para que possam se defender a tempo: “Agora o sistema só permite o acesso para quem paga uma taxa, mas nessa situação de crise e pobreza que vivemos, não temos como pagar”, reforçou Contreas. Na maioria das vezes, a polícia vai na residência do imigrante indicado para entregar a notificação e em questão de poucos dias, a pessoa é deportada para o seu país de origem. 

coordenadoras do movimento Bairrios de Pie lutam por seus direitos como imigrantes. Crédito: Sofia Schuck

A deportação, a política xenófoba de Macri e a falta de oportunidades de trabalho são as principais razões das manifestações dos imigrantes. Na última quarta-feira (3), centenas foram às ruas e se concentraram em frente ao Prédio da Imigração, onde criticavam a crise, a situação precária e as políticas excludentes. Com bandeiras como “Migrar no es delito” e “basta de separar as famílias”, demonstraram revolta às medidas de deportação. De acordo com Accosta Walter, um dos participantes da ação, até o momento há o conhecimento de poucos casos, pois a maioria são omitidos: “Devem haver muito mais do que podemos imaginar, é muito triste”. A maioria dos presentes no protesto eram de origem peruana, boliviana ou colombiana. Ninguém quis se identificar ou me passar seu nome completo. Tinham muito medo e desconfiança da imprensa que estava cobrindo a manifestação.  

De acordo com o último relatório do Migration Data Portal, a Argentina possui 2.2 milhões de imigrantes, o que representa 4,9% da população de 44,3 milhões. Destes, mais de 54% são mulheres, totalizando 1,2 milhões. Os três maiores grupos de imigrantes são do Paraguai, Bolívia e Chile. Um pesquisa realizada pela Universidade Católica Argentina (UCA) sobre os processos de integração social e urbana em três favelas (“Los procesos de integración social y urbana en tres villas porteñas”) mostra que os imigrantes estão em maior quantidade nas favelas e não nas áreas da cidade formal, com predominância na Villa 31, a maior ocupação irregular de Buenos Aires. Na Villa 31, os nativos da Bolívia representam 14,3% da população, os do Paraguai 15% e os do Peru 7,1%. 

A pobreza e as dificuldades de ser um estrangeiro

Ruth Contreas e Marisol Choque contam sobre a situação da famílias imigrantes em Buenos Aires. Créditos: Sofia Schuck

Marisol Choque, imigrante da Bolívia, veio para Buenos Aires em 2003, na esperança de encontrar trabalho e dar condições melhores de vida para sua família. Decidiu tentar ajudar sua mãe, que sofria com o alcoolismo. “Naquela época, era tudo pago em dólar. Parecia o país da prosperidade”, afirmou ela. 

Ela veio com com suas duas crianças e seu marido. Começou a trabalhar numa oficina de costura, até que aconteceu um incêndio no local, que causou a morte de três crianças. Em resposta ao acidente, o governo implicou com os documentos da família e os pôs para fora de casa, os obrigando a ir morar na rua. “Continuei na busca da documentação, mas sempre me diziam que faltava algo. Até que depois de um tempo consegui uma nova casa. Foram tempos muito difíceis”, contou. 

A segunda casa de Marisol também foi tomada, só que dessa vez pelas drogas. A família precisou desocupar o local e novamente procurar outra moradia. Desde 2007, ela reside no Bairro Flores e trabalha em uma cooperativa. “A minha situação melhorou, mas comecei a me engajar nos movimentos de luta de imigrantes e entendo que temos muito o que avançar ainda”, comentou ela.  

Os efeitos da crise

Seja nas favelas ou no centro da cidade, a crise econômica enfrentada pela Argentina afeta em níveis diferentes a toda população. Nesse contexto, os imigrantes, que são mais fragilizados, sofrem mais ainda com a falta de dinheiro e emprego. Muitos optam por vender objetos pelas ruas, enquanto outros tentam trabalhos em comércios locais, como lojas e restaurantes. É o caso da imigrante venezuela Diana Lara, garçonete de um restaurante do bairro Recoleta. Ela se mudou para Buenos Aires no ano passado para cursar a universidade e buscar melhores condições de vida. Mesmo afirmando que a crise argentina não chega nem perto da situação em que vivem na venezuela, ela explica que a crise a afeta mais no nível familiar. “Preciso ajudar minha família que está na Venezuela, pois lá não se encontra comida e nem medicamentos, aí preciso enviar daqui. Me deparo todos os dias com os preços muito altos”. 

Outra imigrante venezuelana, Ruth Santiago, está aqui há seis meses e também trabalha num restaurante. Segundo ela, apesar de vir de um país com a maior inflação a nível mundial, também sente os efeitos da crise argentina: “Os nossos custos de aluguel são muito altos e o preço da comida e do transporte aumenta constantemente, ainda assim acredito que podemos sobreviver com um salário mínimo”, afirma. 

Um misto de esperança, luta e medo. Os sentimentos e dramas que vivem os imigrantes de Buenos Aires são os mais variados. Alguns trabalham duro e ainda conseguem estar sempre com um sorriso no rosto, como a haitiana Joanne Toussant, que vende flores em bares e pelas ruas da cidade, encantando a todos com a sua simpatia. Quando lhe perguntam sobre a crise, ela não exita em responder: “Isso no sé, solo sé que me gusta mucho la Argentina”. 

Protesto contra deportação. Crédito: Sofia Schuck

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