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Estranhos no ninho

Já passavam das 13 horas quando cruzamos a imponente porta de madeira e fundo de vidro que dava acesso a mais um dos incontáveis salões de conferências e reuniões do Congresso da Nação Argentina. Um homem alto, bem vestido, abriu a porta para nós, desejou uma boa tarde e logo a fechou em nossas costas. Por alguns momentos eu não pude acreditar que havia dado certo. Realmente estávamos diante dos líderes das Câmaras Legislativas dos principais países da América Latina. Era real, todos eles estavam ali, sentados em três grandes mesas quadradas que formavam um U no meio do salão.

Vi a poucos metros de mim deputados que tantas vezes assisti na televisão, a maioria das vezes em reportagens de escândalos e tramas políticas em Brasília. Vi que Helena se posicionou contra a parede, próxima a uma mesa com toalhas vermelhas e algumas media-lunas que ficaram para trás. Fábio já havia ido para um dos cantos, em busca dos melhores ângulos para o registro fotográfico.

Lá na frente, na terceira cadeira à esquerda da mesa central, distante uns 15 metros de onde eu me encontrava, estava a razão de tudo aquilo: a presença do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. O parlamentar veio à capital portenha para o primeiro Fórum de Relações Internacionais e Diplomacia Parlamentar. O fato por si só já valia a notícia, mas a pauta ficou ainda mais carregada pela eminência de Maia assumir a presidência da República caso o nosso atual chefe de governo, Michel Temer, tenha seu mandato cassado em plenário.

Eu, por alguns segundos, me vi perdido em meio ao vácuo de tudo aquilo. Em minha frente algumas fileiras de cadeiras com encostos altos e visivelmente confortáveis. Em primeiro momento, pensei que fossem para os jornalistas, porém, em um olhar mais atento, percebi que poucos estavam se importando para a reunião. A maioria mexendo nos celulares, de cabeças baixas concentradas em conversas e links.

Depois, em um dos cantos do salão, vi a Sylvia Colombo, correspondente da Folha de S. Paulo, rodeada de mais algumas pessoas. Então percebi que Ariel Palácios, jornalista brasileira da Globo News, também estava no meio. Mais um daqueles que eu apenas via por trás de uma tela de televisão ou computador.
Diante de toda aquela situação oficial e pessoas trajadas com ternos, gravatas e calças sociais, foi impossível não me sentir um estranho no ninho. Ao menos eu vestia algo confortável: camiseta, moleton, uma jaqueta verde, calças jeans e um tênis surrado, mais a minha mochila preta e ensopada. Helena e Fábio também estavam vestidos casualmente, provavelmente nenhum de nós imaginou que estaria diante daquela sala poucas horas depois de encontrarmos o resto do grupo frente ao hotel para o terceiro dias de atividades do curso Jornalismo Sem Fronteira em Buenos Aires.

Tudo aconteceu em meio ao improviso e instinto. Nós já tínhamos conhecimento da agenda de Maia em Buenos Aires, mas ainda não havíamos decidido se de fato iríamos fazer algo sobre isso. Em uma rápida conversa com a embaixada brasileira, descobri que o parlamentar já havia se reunido com os repórteres brasileiros na noite de ontem, e que uma nova rodada de perguntas e respostas não estava prevista nos compromissos oficiais. Já pensando em como contornar a situação, ouvi do responsável pela comunicação da embaixada que o evento de hoje era livre, de acesso para todos e, caso houvesse alguma possibilidade de entrevista, seria ali.

Foto por: Fábio Bispo

Conversei com a Claudia, coordenadora do curso, e com alguns membros do grupo. Depois de uma rápida votação ficou decidido que eu, Helena e Fábio iríamos ao evento. Antes da partida, Claudia ainda alertou da possibilidade de nem conseguirmos entrar no Congresso devido à falta de trajes formais e sem nenhum tipo de credenciamento. Mesmo assim, complementou, apenas pelo fato de estarmos lá e observarmos o trabalho dos outros jornalistas, já valia a pena.

Embarcamos em um Über e fomos. O trânsito estava horrível, chovia, estava frio, ventava, mas nada disso foi suficiente para abalar nossa excitação. Rumamos à entrada principal. Não era ali. Fomos à outra porta, outra negativa. No terceiro acesso, descobrimos que a entrada seria pela segunda entrada que acabávamos de sair.

Tudo bem, desta vez deixaram entrar. Sem muitas perguntas ou explicações, logo estávamos nos corredores do Congresso, andando entre aquelas paredes altas e bem iluminadas. Havia seguranças a cada poucos metros, mas mesmo assim não havíamos passado por nenhum tipo de procedimento de segurança, como assinar algum papel com nome completo e identidade, ou revista a nós ou às nossas mochilas. O aparente descuido com a segurança fazia tudo parecer ainda mais impossível de dar certo, afinal, como que deixariam que tivéssemos acesso a líderes governamentais sem ao menos terem certeza que não carregávamos uma arma ou qualquer tipo de coisa que pudesse pôr a vida deles em risco?

Entramos no salão poucos minutos antes do fim do evento. Ao término, observamos que os jornalistas iam se movendo para cada vez mais próximo da mesa. Aproveitamos a deixa e fomos atrás, lutando por cada centímetro mais próximo do presidente da Câmara. Consegui chegar próximo o suficiente para esticar meu telefone próximo à sua boca, Helena fazia os vídeos e Fábio continuava nos registros fotográficos. Somente aquilo já seria suficiente para uma grande experiência. Para minha sorte, havia ainda mais. Depois do fim da entrevista fui um pouco para trás para sair daquele aglomero. Mexia na gravação do celular para ter certeza que havia gravado tudo quando vi que Maia saia do meio dos jornalistas e caminhava na direção em que eu estava. Era uma oportunidade única de uma entrevista, de tentar arrancar algo diferente. Fui ao seu encontro, dei boa tarde e já emendei se a presença dos demais deputados brasileiros era para firmar um possível acordo que freasse os trâmites de julgamento no Congresso Nacional. Não esperava que ele me contasse algo que não fosse evasivo, como “esse evento já estava marcado há 30 dias e não tem nada a ver uma coisa com a outra. Não é só o poder Executivo que deve manter relações diplomáticas”. Mesmo assim, o que vale é a intenção.

Depois de mais alguns minutos e fotos, saímos do Congresso em estado de êxtase. Nenhum de nós conseguia acreditar que havia dado certo. Nesse clima de animação, criamos a logística para escrever a matéria o mais rápido possível para emplacar em algum veículo no Brasil. Decidimos concentrar as atividades no hostel de Fábio pela facilidade de acesso e estrutura. Pegamos o metrô, de praxe nos perdemos entre as estações, mas tudo estava dando certo.

Pouco depois das 15 horas, já estávamos reunindo todas as informações e escrevendo o texto a seis mãos. Ainda estávamos no pique de fazer tudo o mais certo possível. No fim, conseguimos. Tão bom quanto participar de tudo aquilo foi ver nosso texto publicado no portal Congresso em Foco. Era o que precisava para fechar aquela experiência vivida ao máximo por nós três.

E hoje foi apenas o terceiro dia.

 

Diário Porteño – Gabriel Bossa especial para Jornalismo Sem Fronteiras

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