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Vivendo e aprendendo: uma escola para além dos muros

Um lugar onde brincar e estudar caminham juntos

JULIANA LIMA
DE BRASÍLIA

Uma escola sem grades, com crianças brincando livremente, pulando corda e descalças com os pés na terra seria possível nos dias de hoje? Será que é possível crianças interagirem sem a interferência de aparelhos tecnológicos? Ou será que tal concepção é muito utópica?

Quando as crianças logo cedo entram na escola a maioria das instituições de ensino adotam certos padrões pedagógicos e estruturais, tais como: disciplina, intervalos, sinais, notas entre outros. Muitas vezes, a essência da infância, o brincar, é deixado de lado, devido outros aspectos serem considerados mais importantes. Com isso, desde pequenas as crianças sabem distinguir a hora de estudar, da hora do brincar, no qual o primeiro é visto como uma obrigação a ser comprida, e o segundo é aquele momento de diversão, no qual muitas vezes só é conquistado depois que os estudos já foram concluídos. Ou seja, estudar e brincar são considerados opostos que não se misturam.

A Vivendo e Aprendendo, escola associativa de pais, localizada em Brasília, desmistifica esse preceito estabelecido, e mostra que brincar e estudar podem caminhar juntos. A instituição surgiu em 1982, quando um pequeno grupo de pais e mães insatisfeitos com o atual modelo educacional do regime militar decidiram fazer uma associação diferente.

Por possuir um trabalho alternativo ao sistema tradicional de ensino, a Vivendo se tornou uma escola diferenciada em educação infantil. A base de seus princípios pedagógicos é cooperação e associativismo, ou seja, todas as decisões são feitas em assembleias gerais, e famílias, educadores e funcionários também ajudam no processo de uma gestão coletiva.

Hoje a associação recebe crianças dos dois anos aos sete anos de idade no período matutino e vespertino, no total são 16 turmas. A sua infraestrutura, diferente da maioria das escolas tradicionais com várias salas de aula dentro de um único prédio, conta com seis casinhas (laranja, rosa, azul, verde, amarela e roxa), parecidas com casas de bonecas, mas em proporções maiores. E cada uma delas representa um ciclo de aprendizagem, que são divididos por idades, com isso, as crianças tem um espaço próprio, e como as salas de aula são equipadas com banheiros, os pequenos logo cedo começam a ter autonomia para utiliza-los sozinhas.

Os alunos não usam uniforme, e as crianças têm total liberdade para andar descalças, e até sem blusa, principalmente porque Brasília é uma cidade muito quente e abafada, e usar roupas desconfortáveis não é a melhor opção, principalmente para os pequenos. Além disso, também existem chuveiros e duchas para eventuais banhos, mas o que as crianças mais gostam é o banho de mangueira.

Com relação ao material didático a escola não utiliza livros ou apostilas. Clarisse Rabello, coordenadora pedagógica da Vivendo e Aprendendo, explica que muitos pais, principalmente aqueles que não conhecem muito bem a proposta do colégio, ficam inseguros em relação à alfabetização de seus filhos. Clarisse explica: “ Na Vivendo e Aprendendo não utilizamos o termo alfabetização, e sim letramento, as crianças desde pequenas têm contato com a leitura e a escrita, as atividades educacionais são pensadas para estimular suas habilidades e capacidades, e a última atividade do dia em todas as turmas é uma roda de história, com isso não interrompemos o natural processo de curiosidade da criança. “

Uma das características marcantes da escola são os seus dispositivos pedagógicos, como o “eu não gosto”, quando uma criança não gosta de alguma atitude ela é incentivada a falar para isso para o outro, e explicar por qual motivo não gostou da atitude. Lucilaine, conhecida como Lêla, e professora do ciclo três, comenta: “muitos adultos não conseguem expor seus sentimentos, agora se uma criança é desde pequena estimulada a falar o que sente, quando ela cresce não irá encontrar tanta dificuldade para se expressar. “

A metodologia da escola é composta por projetos e atividades, e ao final de cada bimestre um relatório de cada aluno é enviado aos pais. A rotina da Vivendo é composta por seis atividades: a roda inicial, primeira atividade, parque, lanche, o fora, a segunda atividade, e a roda de histórias. O momento do parque é uma das principais características da escola, porque ressalta a importância dada ao ato de brincar, por isso, todas as crianças, de ambos os turnos, tem em suas rotinas uma hora de brincadeira no parque.

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Outro aspecto importante da escola é a sua preocupação com uma alimentação saudável. Clarisse diz: “Quando as crianças entram na Vivendo sempre recomendamos aos pais para colocarem em seus lanches, alimentos naturais e saudáveis, ao invés dos industrializados, como balas e refrigerantes”. A escola quer ser o mais natural possível, e também não deseja criar conflitos entre os seus alunos, devido à suas condições sociais e o alimento que trazem. E assim como as crianças, os profissionais que trabalham na associação só consomem comidas saudáveis.

As crianças apropriam-se de todo o espaço de aprendizagem, tanto que no horário do lanche elas comem em suas respectivas salas de aula. Em cada uma tem duas cestas de lixo, uma de lixo seco e outra de lixo orgânico, e também uma cesta de partilha, onde as crianças colocam o alimento que não querem mais para compartilharem com os seus amigos. Além disso, dentro de cada sala também estão escritos combinados, que foram decididos pelos alunos.

Todo o fim de turno se encerra com uma roda de história, onde a leitura e literatura são valorizadas. A contação de histórias é feita tanto por educadores, como por crianças e pais. Além da rotina diária, durante a semana existem 3 eventos: o dia da culinária, o dia do natural, e o dia da vertical.

O dia da culinária, como o nome já diz, é o momento que os pequenos podem colocar a mãe na massa e preparar algum prato, sempre com a supervisão de algum adulto responsável, e as crianças não podem mexer no fogão, ou com objetos perigosos. O dia do natural é quando todas as salas se juntam e fazem a hora do lanche juntas, e compartilharam suas comidas. O dia da vertical, é um super circuito elaborado pelos professores e todos os alunos participam.

Cozinha. Foto por: Juliana Lima
Cozinha. Foto por: Juliana Lima

Lêla fala um pouco da sua experiência na Vivendo: “Essa semana eu abri o mapa mundi para os meus alunos, e eles ficaram encantados, e cada um começou a escolher um país que gostaria de visitar, e logo em seguida começamos a ver as comidas típicas de cada lugar e pesquisar as receitas. “

Todo ano a escola tem três festas: a festa junina, o chá de livros, um momento que os alunos trazem seus livros e trocam com os colegas, e a festa da cultura popular. A Vivendo não celebra datas comerciais, como dia dos pais e das mães, porque acredita que as comemorações precisam estar relacionadas com a nossa cultura, para assim as crianças sempre lembrarem da história brasileira, e não esquecerem o seu passado.

Ao ser questionada sobre a escola aceitar deficientes, Clarisse responde: “Nós já tivemos alunos com algum tipo de deficiência e nós os tratamos igual aos outros. A Vivendo e Aprendendo tem uma política de inclusão, no qual todos são acolhidos em suas diferenças. “

Atualmente a escola apenas trabalha com o ensino infantil, entretanto existe já existe um projeto de ensino fundamental, o Vivendo Mais. Mas, para esse plano se concretizar a Vivendo precisa de dinheiro, por isso a associação está fazendo uma campanha online de financiamento coletivo.

Uma das coisas mais lindas a ser vista na Vivendo e Aprendendo é a infância na sua forma mais pura, sem aparelhos eletrônicos ou brinquedos tecnológicos e elaborados, apenas um parquinho com escorregador, gira-gira, um caixa com bolas, bonecas, carrinhos, e muitas crianças correndo felizes aproveitando a simplicidade da infância.

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Juliana Lima é jornalista e participa do programa “Jornalismo & Poder”, que leva jornalistas e estudantes de comunicação a Brasília para uma imersão de uma semana na cobertura política.

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