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Sob o mesmo Teto

Respondendo a uma intensa crise econômica e com uma base cada vez mais dispersa, o Governo Temer conseguiu, em uma demonstração importante, aprovar a PEC do Teto de Gastos.

HELENA CENEVIVA

DE BRASÍLIA

 

O governo Michel Temer, de sua interinidade à posse oficial, tem sido carregado de polêmicas. A questionável ascensão à presidência, a base aliada duvidosa, as escolhas iniciais por uma composição ministerial exclusivamente branca e masculina, e a contradição entre o discurso de limpeza política e a quantidade acusações que pesam sobre o governo são apenas alguns exemplos da turbulenta – ainda que breve – jornada de Temer à frente do Planalto.

O presidente já herdara, no entanto, parte do caos político e econômico produzido pela antiga situação bem como pelo grupo que lhe fazia oposição. O rombo nas contas públicas, uma das mais importantes feridas da gestão anterior, apareceu nesse contexto como um dos muitos polêmicos imperativos com os quais o peemedebista teria que lidar em seu curto mandato. Do desespero por garantir avanços econômicos e do desejo demonstrar força e coordenação do novo governo é que nasceu a PEC 241/2016 (ou PEC 55/2016).

“A PEC do Gasto é fundamental e o primeiro passo, o primeiro exemplo efetivo do governo” como disse Romero Jucá para o Valor Econômico, em novembro de 2016.

A também chamada de PEC do Teto (ou PEC do Teto de Gastos), foi aprovada na manhã do dia 13 de dezembro na sessão final do Senado Federal. Ela passou com facilidade pelos dois turnos na Câmara e, embora tenha contado com menor participação dos senadores, também foi aprovada no segundo e final turno no Senado.

Apesar das críticas levantadas pela oposição, o texto caiu nas mãos do Senado como fora originalmente proposto e assim se manteve. Enquanto os partidários da proposta defendem ser a PEC um instrumento imprescindível ao reequilíbrio das contas públicas, a oposição critica o projeto por restringir os investimentos públicos em saúde e educação.

O Governo precisava de 49 senadores favoráveis para que a PEC fosse aprovada, de modo a atingir os três quintos (3/5) necessários de parlamentares. Enquanto, no primeiro turno, o resultado tenha sido mais favorável ao Governo (61 votos a favor e 14 contrários), ainda assim, a situação conseguiu aprovar o projeto.

Com 53 votos a favor e 16 contra, a PEC foi acatada e deverá ser promulgada por Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, ainda no dia 15 desse mês, momento em que passará a valer. Para que o projeto fosse votado ainda nessa semana, no entanto, Renan teve que correr contra o tempo. Depois de ser afastado da presidência da Casa e então readimitido, fez, no Senado, três sessões seguidas na quinta-feira, dia 8, para garantir que a PEC do Teto fosse votada no dia 13, a data prevista.

Apesar da vitória apertada (uma diferença de quatro votos além dos 49 necessários), essa é uma das grandes vitórias do Governo Temer. Apesar de não cumprir com as expectativas projetadas sobre seu mandato, o presidente deu uma demonstração de força e articulação ao aprovar a emenda. Seja como for, este não é um momento de ficar confortável – e Temer sabe disso: ele e sua equipe estão andando em uma corda bamba que fica cada vez mais fina.

Por sorte, o Governo poderá contar com o recesso parlamentar para reorganizar-se dentro do Congresso. Com cuidado, buscará reconquistar a estabilidade que há pouco possuía dentro do Legislativo e compreender o motivo das 7 ausências de parlamentares da base, que não compareceram à votação do dia 13.

Entenda a seguir o recém aprovado Projeto de Emenda Constitucional e quais serão suas implicações para o futuro do Brasil.

O que é uma PEC?

“PEC” é a sigla que designa uma Proposta de Emenda Constitucional. Trata-se de um mecanismo democrático que permite que o documento legislativo mais importante de um país, a Constituição, seja modificado depois de promulgado. Ele busca assegurar que ela acompanhe as transformações políticas, econômicas e sociais vividas pelo país, ao mesmo tempo que conserva os aspectos e os valores de sua essência. Não é à toa, inclusive, que existam certas matérias sobre as quais os legisladores não poderão realizar quaisquer alterações. A forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, e os direitos e as garantias individuais não podem ser modificados, pois, uma vez que alterados, descaracterizam a Constituição tal qual ela realmente é.

Essas propostas poderão ser apresentadas pelo Presidente da República, por pelo menos um terço da Câmara ou do Senado Federal, ou por mais da metade das Assembleias Legislativas da União (cada uma delas manifestando-se pela maioria relativa dos seus membros).

Depois de apresentadas, percorrem um caminho mais longo do que as leis ordinárias, por exemplo, sendo submetidas a mais etapas até que sejam admitidas ou rejeitadas. Durante seu processo legislativo, passam pelas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e do Senado e são votadas, em dois turnos, nas duas Casas.

Qual é o objetivo da PEC 241?

A PEC 241/2016 foi proposta em junho pelo Poder Executivo. Segundo Henrique Meirelles e Dyogo de Oliveira, ministros da Economia e do Planejamento, respectivamente, seu objetivo é “reverter, no horizonte de médio e de longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal” através da instituição de um Novo Regime Fiscal.

“Faz-se necessária mudança de rumos nas contas públicas, para que o País consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública” – Henrique Meirelles e Dyogo de Oliveira sobre a necessidade da PEC 241/2016

Os ministros advogam (com o cinismo de colocar Michel Temer em posição de vítima da incapacidade alheia) que “corrigir o equilíbrio das contas públicas é condição necessária para retirar a economia brasileira da situação crítica que Vossa Excelência recebeu ao assumir a Presidência da República”. Para eles, a PEC deverá estabilizar o crescimento da dívida pública primária de modo a conter os gastos públicos.

O que ela estabelece?

Para frear a crescente trajetória dos gastos públicos (incompatíveis com a arrecadação), a PEC propõe fixar um limite às despesas primárias do Estado. Trata-se de um “teto” a ser fixado por 20 exercícios fiscais (20 anos, portanto) que estabelece que as despesas do ano em questão devem corresponder às do ano imediatamente anterior corrigidas pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Supondo, então, que, como previsto, a PEC entrasse em vigor ainda este ano, devendo valer para 2017, os gastos públicos de 2017 equivaleriam aos de 2016, corrigidos pela inflação. Da mesma forma, os de 2018 corresponderiam aos de 2017, reajustados; os de 2019 aos de 2018 e assim por diante. É preciso ressaltar, no entanto, que os investimentos em saúde e educação, muito embora sigam a mesma regra destacada, só seguiriam o novo regime a partir de 2018.

Ocorre, portanto, que as despesas ficariam congeladas em um mesmo patamar, uma vez que a correção pelo IPCA não criaria aumento real algum, mas igualaria o valor da moeda de um ano ao precedente.

Para melhor compreender, imagine que, em 2016, você, leitor, possua R$ 1.000,00, valor esse que sofrerá um reajuste de 10% no ano seguinte. Em 2017, você passará a ter R$ 1.100,00, então está R$ 100,00 mais rico! É isso mesmo? Não, porque esse aumento é apenas aparente. Ocorre que os seus R$ 1.000,00 iniciais, sem o reajuste, não valerão o mesmo que valiam em 2016. O que a correção faz é criar uma equivalência entre os valores das moedas de 2016 e 2017. Assim, pode-se dizer que, nessas condições, seus R$ 1.000,00 são iguais aos seus R$ 1.100,00 de 2017.

O mesmo ocorre na PEC do Teto: se não há aumento real algum, apenas uma correção de valor, pode-se dizer que há congelamento de recursos.

Esse Novo Regime Fiscal – prevê a proposta – poderá ser alterado a partir do décimo exercício fiscal depois de vigentea Emenda. Assim, após 10 anos de sua aplicação, o Presidente poderia alterar o método de correção dos limites através de projeto de um lei.

O cenário econômico

1. Dívida pública

Segundo o Tesouro Nacional, de 2013 até novembro de 2016, as maiores execuções de despesas do Governo Federal foram sobre encargos especiais, previdência social e saúde, nesta ordem. Esse cenário se repete há pelo menos 3 anos (os dados do Portal da Transparência só vão até 2013) e é impressionante. Especialmente em 2016, aproximadamente 70% dos gastos federais foram direcionados a encargos especiais.

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A despesas variadas, como as destinadas à cooperação internacional e às dívidas interna e externa, é que se dá o nome de encargos especiais. No Brasil, no entanto, falar em tais encargos é como falar em dívida pública. Em 2016, dos R$ 1,1 trilhão de reais gastos com os encargos, 80% deles foram direcionados à dívida pública interna (representados abaixo pelos dois setores mais escuros à direita). Se adicionássemos a essa conta os valores da dívida externa (um dos componentes da parcela ‘outros’), a porcentagem dilataria-se ainda mais.

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Acontece que, ano a ano, o dinheiro que o Estado possuía para sanar suas dívidas tornava-se cada vez menos suficiente, motivo pelo qual se diz que a necessidade líquida de financiamento do Governo aumentou. No período de 2012 a 2015, ela cresceu em 49% (de R$ 312 bilhões para R$ 615,8 bilhões), o que significa que, se em 2012 eram precisos 312 bi para sanar a dívida, em 2015 eram precisos 615,8 bi.

2. Resultado Primário

Resultado primário é o nome que se dá à diferença entre as receitas e as despesas primárias do Governo. Quando essa diferença é positiva – e, portanto, “sobra” dinheiro – temos superávit; da mesma forma, quando é negativa, verifica-se um déficit. Em uma metáfora grosseira (que me perdoem os economistas), o superávit ocorrerá quando, ao final do mês, ainda restar salário, depois que você pagou suas contas. Quando sua renda não for suficiente para quitar suas obrigações, você terá gasto mais do que possuía, e, portanto, registrará um déficit.

Comumente, ao invés de ser analisado individualmente, o resultado primário é visto em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) de determinado país. Como ele reflete na quantidade de dinheiro que o Governo deve ou deixa de dever, é interessante colocá-lo percentualmente em relação ao PIB para que se possa compreender as dimensões da dívida pública. “Uma relação elevada e crescente entre a dívida pública e o PIB”, por exemplo, “indica que o governo poderá enfrentar dificuldades para refinanciá-la ou para pagá-la no futuro”, uma vez que os gastos mostram-se superiores à receita.

 

O déficit perseguiu todos os governos Dilma. Se em 2011, ano de seu primeiro mandato, fechou as contas com o PIB em 2,8%, em 2015, inauguração do seu segundo mandato, teve um déficit de -1,7%. São dados condizentes com os altos gastos com a dívida pública como apontado no item anterior. O que muda nos governos da presidente é a acentuada queda na arrecadação, o que cria um descompasso entre receita e despesa.

3. Inflação

Até 2014, ano das eleições presidenciais, Dilma Roussef conseguiu segurar a inflação o máximo que pode. Embora tenha pago um preço alto depois, conseguiu fechar o ano a 6,41%. Depois de reeleita, no entanto, o elefante foi parar no meio da sala: a inflação, a galope, disparou aos 10,76%.

A inflação poderá ser medida de diferentes formas e com múltiplos focos, sendo o índice oficial do Brasil o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). De responsabilidade do IBGE, é usado para avaliar a variação dos preços das cestas de consumo das famílias e, dessa forma, analisar o impacto dessas flutuações sobre o custo de vida da população.

 

IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) – Índice acumulado no ano, de 2011 a 2016. Fonte: IBGE.

Para compreendermos melhor seus efeitos sobre a vida da população, vamos a um simples exemplo. Se o IPCA estiver em 2% ao mês, isso significa que o pão que eu comprei no mês anterior estará 2% mais caro; se com 1 real eu comprei um pãozinho em fevereiro, em março, precisarei de mais dinheiro.

Por que defendem a PEC?

A pergunta que intitula este subseção pode parecer retórica considerando os dados expostos acerca da condição financeira do país. Por que não defender a PEC quando as contas públicas estão tão deficitárias? De fato, para os partidários do projeto, é essa a lógica que prevalece. Se há um descompasso entre os gastos e as arrecadações, o mais lógico seria realizar um rígido corte de gastos para extinguir o descompasso e retomar o crescimento econômico.

Para Meirelles, atual ministro da fazenda, o Novo Regime Fiscal não é um plano meramente fiscal. Segundo o ministro, “não há possibilidade de prosseguir economicamente no Brasil gastando muito mais do que a sociedade pode pagar”; é preciso atacar os gastos, ao invés de enrolar-se com formas de aumentar a receita (que devido à situação fiscal do país acabarão mostrando-se ineficazes).

Meirelles, assim como outros representantes do Governo, defende que o corte nos gastos não é prejudicial. Para eles, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade das despesas. Nesse sentido, nada mais lógico do que combater o “aumento sem precedentes da dívida pública federal” através de restrições no orçamento. De certa forma, trata-se de uma medida que obriga os agentes públicos a utilizarem seus recursos da forma mais responsável possível.

Os defensores da PEC 241 veem-na como o “único caminho para a recuperação da confiança” doméstica e internacional sobre o Brasil. A medida traria segurança aos investidores e consequentes investimentos que, como resultado, reaqueceriam a economia. Gerariam novos postos de trabalho, aumentariam o poder de consumo, reduziriam a inflação, aumentariam a capacidade produtiva e assim por diante.

“[…] esse instrumento é essencial para recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos […]”

Para eles, limitar as despesas aos valores gastos nos exercícios anteriores não implicará em um congelamento de recursos, muito menos nas áreas de saúde e educação. Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, em entrevista ao Planalto, por exemplo, explicou como os gastos, na verdade, aumentariam nos dois setores.

Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, é outro que também vê a PEC com bons olhos. Para ele, a situação a qual chegamos não permite qualquer outra forma de medida, se não esta. Trata-se da única maneira de conter a dívida pública ao mesmo tempo que se retomam os investimentos estrangeiros.

Para Bacha, um dos pontos estratégicos da PEC é sua extensão temporal. Os 10 ou 20 anos de vigência tem tamanha importância por resultarem em um gerenciamento de expectativa. Isso ocorre, pois, quando o governo brasileiro toma uma medida como essa, mostra ao mundo que criou um extenso compromisso. Dessa forma, busca assegurar que seus planos terão duração longa o suficiente, de modo a reconquistas a confiança dos investidores.

“[…] o que a PEC faz é criar expectativas favoráveis sobre o reequilíbrio das contas públicas” – Edmar Bacha para o El País

Nesse sentido, é possível perguntar-se, então, por que não mexer na Previdência, parte tão importante das despesas públicas e, portanto, da solução para seu reequilíbrio. Nesse ponto, há dois pontos principais para os defensores da PEC. O primeiro deles diz respeito às necessidades políticas do feito. Considerando que a Reforma da Previdência é um tema profundamente impopular, o governo precisaria, antes de mais nada, criar um ambiente político propício para recebê-la (algo como ministrar os cortes em doses homeopáticas).

Além disso, dizem eles que realizar um corte geral é importante enquanto medida de austeridade. Seria uma forma de limitar os gastos de forma ampla, alterando a lógica dos gastos públicos. Bacha explica:”[…] a PEC do teto […] força o sistema político a resolver os conflitos que se estabelecem no orçamento com base na capacidade efetiva que o Governo tem de arrecadar impostos e não mais simplesmente no desejo de políticos de gastar o que eles não têm”.

A PEC 55 (ou PEC 241), portanto, seria uma medida imprescindível ao desenvolvimento brasileiro. Ao alterar a lógica dos gastos, estabelecer limites claros e retomar a confiança dos investidores nacionais e internacionais, seria a única alternativa de salvar o Brasil da insolvência.

Por que repudiam a PEC?

Os críticos da PEC, embora inúmeros, não compõem maioria parlamentar (não é à toa que a proposta passou com facilidade em todas as etapas do processo legislativo). Sua maior preocupação frente à emenda diz respeito ao futuro de áreas como saúde e educação. Para eles, restringir os recursos sobre educação significa fadar as gerações que, em 10, 20 anos, serão população economicamente ativa e limitar os gastos em saúde representa condenar à inércia do fracasso o já incapaz Sistema Único de Saúde (SUS).

Rebatendo os governistas, apontam para o congelamento de recursos gerado pela aplicação da PEC é real, não uma fantasia da oposição. Como já explicado anteriormente (ver “O que ela estabelece?”), indicam que o ajuste dos gastos de um exercício fiscal ao seguinte não correspondem a um aumento real de verba, mas, sim, como o nome já diz, a um reajuste de valores.

Para melhor vislumbrar o que o congelamento dos gastos significaria nessas áreas, o gráfico a seguir compara os valores investidos em educação e saúde, de 2006 a 2015, com aqueles que seriam empregados caso a PEC 55 estivesse vigente. No caso da educação, a diferença teria sido de R$ 384,5 bilhões, enquanto no da saúde seria de R$ 290,8 bilhões.

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Gráfico veiculado pela Carta Capital em “Entenda o que está em jogo com a PEC 241”. Clique aqui para acessar.

Refutando Meirelles, os contrários à PEC dizem que não será a mudança de quantidade de recursos que influenciará na qualidade de sua aplicação. Afinal, não são os cortes que farão dos agentes públicos excelentes administradores, do dia para a noite. Os que não tinham uma boa gestão não passarão, por passe de mágica, a fazer milagres com os recursos reduzidos – muito pelo contrário.

No mesmo sentido da oposição, Philip Alson, relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, antes mesmo de sua aprovação, criticou a PEC dos Gastos. Para ele, a emenda bloquearia os gastos em “níveis inadequados”, colocando “toda uma geração futura em risco”. Suas medidas acabariam por colocar o Brasil “em uma categoria única em matéria de retrocesso social”.

Alson também falou sobre o excessivo tempo de vigência da PEC. Em 20 anos o cenário do país sofrerá as mais diversas mudanças econômicas e políticas, de modo que lhe pareça inadequado uma medida tão rígida e tão longa. No mesmo sentido, critica a oposição: mesmo que o Brasil retome seu crescimento, “o Estado já vai ter decidido congelar a aplicação de recursos em setores considerados críticos e que já não atendem a população como deveriam”.  

Diferentemente de outros países que já adotaram políticas semelhantes, o Brasil não contará com as chamadas cláusulas de escape, autorizações que flexibilizam a aplicação da ordem fiscal em caso de mudança de cenário econômico. Por aqui, o teto estabelecido não dependerá do crescimento da economia. O vácuo criado entre o limite de gastos e o PIB é grandemente criticado pelos opositores da PEC.

Os críticos também apontam não ser apenas o crescimento econômico que a emenda não acompanha. Segundo Laura Carvalho, professora da FEA-USP, estabelecer uma medida que congele recursos por 20 anos significa ignorar a natureza própria inflação. Ela, enquanto tal, responde a fatores diferentes a cada ano, de modo que não adiante falar em uma luta estática contra um elemento dinâmico – a desvalorização da moeda.

Conclusão

A situação fiscal na qual o Brasil colocou-se é preocupante. Embora ainda assegure sua posição de gigante latino americano, os níveis de confiança para investimento caem conforme tomba também a qualidade de vida dos cidadãos. Com o desemprego e as constantes altas na inflação, os que mais sofrem são justamente aqueles que dependem de cada centavo do investimento público, mas que, ao mesmo tempo, dependem da retomada de crescimento do país.

É inegável que uma política de contenção de gastos é necessária, ainda mais se aliada com medidas de reaquecimento do mercado. Acreditar, no entanto, que congelar despesas indiscriminadamente, sem cuidado algum, é uma excelente ideia só pode partir de uma cabeça que jamais dependeu do Estado para garantia de coisas tão essenciais e basais como saúde e educação.

A PEC só é uma má ideia, porque pende ao extremo oposto da inação. Defender que os gastos deveriam continuar como vinham sendo feitos é tão irresponsável quanto acreditar na degolação das despesas públicas. O meio termo, como sempre, apresenta a melhor das ideias não porque faz parte do “time dos em cima do muro”, mas porque corresponde à resposta mais ponderada.

É muito fácil defender projetos como os da PEC 55, quando o congelamento dos investimentos atinge apenas alguns números distantes – mas não você. Pode ser que suas medidas de austeridade chamem, sim, a confiança de investidores, e retomem o crescimento nacional – esta não é nem a questão. O que está em jogo é o custo da manipulação de tantos números e cálculos difíceis.

Negar categoricamente a eficácia da PEC é, além de profundamente técnico, ineficaz. Essa discussão faz sentido apenas aos que creem de maneira dogmática que os fins justificam os meios. Se os cortes reviveriam a atividade econômica brasileira nas próximas décadas, pouco importa quem se prejudique no caminho.

Ainda assim, mesmo nessa abordagem há um problema. Como já dito anteriormente, a desaceleração dos investimentos em áreas historicamente carentes significa fadar as gerações que estão por vir.

É possível que em um, dois mandatos por vir, algum presidente mais moderado decida propor outra emenda constitucional que derrube a do Teto. Até lá, no entanto, continuará vigorando a antiga dinâmica do ‘eu’ em detrimento do ‘eles’; até lá, no entanto, muita água já terá passado por baixo do rio – e muitos se afogarão no caminho.

 

Helena Ceneviva é estudante de Relações Internacionais e participa do programa “Jornalismo & Poder”, que leva jornalistas e estudantes de áreas correlatas a  Brasília para uma imersão de uma semana na cobertura política.

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